quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Senhora das Chamas.

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         A noite alta traz um misto de pavor e encanto, quando com seu manto envolve toda a vegetação, pintando-a de tons de preto.

         O caminho de terra é poeirento, em meio às árvores de galhos retorcidos, onde se escondem criaturas misteriosas.

         Os sons noturnos penetram a alma, produzindo tremores gélidos no viajante que segue determinado em frente.

         Cães latem ao longe, enquanto tudo é parcamente iluminado pela luz bruxuleante da lua minguante, que não passa de um fino sorriso no céu escuro.

         Havia qualquer quê de segredo no ar, o sabor doce de magia parecia fazer cócegas no fundo da garganta, nesta noite incomum.

         Sem saber ao certo se seguia na direção correta, prosseguia. Sentindo o vento gelado acariciar a pele exposta pelas vestes, afastando o calor e tornando o caminhar agradável.

         Era normal não saber para onde ia. De fato, duvidava que a maior parte das pessoas tivesse certeza de que trilhava o caminho correto. Apenas não se sentia disposto a parar, então ia em frente. Curioso e aberto às possibilidades.

         Os cabelos grudavam na pele úmida de suor, provocando cócegas e se distraía afastando os fios da face, quando atingiu um ponto inesperado do caminho.

         A sua frente, se desdobravam três caminhos, com aparências tão similares, como qualquer trilha de terra, em meio a uma floresta, de noite, poderia ser.

         Nada denotava que um fosse melhor do que o outro, tão pouco que fosse pior. Porém sua experiência lhe garantia de que jamais seriam iguais. Afinal, se o fossem, não se dividiriam.

         Daí seu empasse. Por onde seguir naquela noite mística? Nenhuma placa sinalizava o que o aguardava no final de cada uma das estradas, se seriam fortunas ou tragédias.

         O som dos cães ladrando se fez mais próximo, até que chegou perto o suficiente que pudesse ouvir a respiração dos animais.

         Virou-se, temendo um ataque e surpreendeu-se em constatar que nada havia na trilha em viera. Quando tornou a se voltar para a trifurcação, a viu.

         Há menos de dois passos de si, dividindo o centro da encruzilhada, uma dama lhe sorria de forma discreta. Seus belos traços sendo destacados pelas chamas das tochas que trazia nas mãos.

         Mesmo com a pouca distância, as chamas não produziam calor e o reconhecimento foi imediato.

         Ajoelhou-se, reconhecendo de pronto a figura de manto escuro, que lhe cobria todo o corpo, apenas sugerindo as belas formas que ocultava.

         - Salve, grande Senhora de tudo que há. – Saudou, ousando levantar os olhos com discrição e sendo capaz de vislumbrar o brilho das chamas avivando os misteriosos olhos negros.

         Se lhe perguntassem, seria incapaz de informar se estava de frente a 
uma jovem dama ou uma idosa, pois a cada bailar das chamas, os traços da formosa face pareciam se alterar, enquanto permaneciam exatamente os mesmos.

         A mulher o olhava com especial ternura, como uma mãe aum filho ou uma rainha reconhecendo o valor de um leal servo.

         - Me chamou. – Disse ela, com a tranquilidade daqueles que já viveram muito e ainda sim sabem possuir todo o tempo do mundo para viver.

         Sentindo-se constrangido, por não se recordar de ter pedido ajuda, mas acreditando em seu íntimo que realmente a desejara, respondeu:

         - Amada mãe, peço que use sua sabedoria e me oriente, indique qual o seu caminho, para que eu possa segui-lo.

         A Deusa riu, o som parecendo uma suave carícia no corpo cansado do viajante.

         - Todos os caminhos me pertencem.

         Sentiu-se corar, temendo ter sido desrespeitoso, mas percebendo que ela não parecia irritada, prosseguiu:

         - Então me indique em qual caminho se esconde minha fortuna.

         E mais uma vez ela riu, fazendo tremer a chama das tochas.

         - Escolha a direção que mais lhe agradar, jovem, e ela lhe guardará desafios e conquistas em igual medida a qualquer outra. Cabe a ti fazer sua fortuna.

         - Então não guiará com sua luz meus caminhos, senhora? – Perguntou, tornando-se ousado devido à confusão.

         Ao que a Divindade respondeu simplesmente:

         - Escolhe teu caminho e minhas tochas guiarão teu caminhar, mas é dever seu percorrê-lo. Não espere que eu lhe prive dos desafios que o permitirão conquistar sua fortuna, nem que eu lhe dê o que for sem que o conquiste por próprio mérito. Jamais seria tão cruel em atrapalhar de tal forma seu crescimento.

         O viajante fechou os olhos, absorvendo as palavras que lhe foram ditas, guardando-as em sua mente e coração. Absorvendo a sabedoria compartilhada naqueles dizeres e a reconhecendo como o maior dos presentes.

         Quando tornou a abri-los, estava só na encruzilhada, ainda de joelhos, 
porém ainda mais disposto do que antes a explorar todas as oportunidades que lhe ofereciam os horizontes.

         Não havia caminho correto, logo tornaria correto o caminho que mais lhe agradasse, tomando para si tal responsabilidade, consciente de que a luz das tochas de Hécate sempre mostraria o que o aguardava mais a frente.


Fim.

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