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O rapaz atrás do balcão de atendimento
novamente alternou o olhar entre ela e o caso, antes de dizer de modo inseguro:
- Vo-você tem certeza de que quer mesmo
esse trabalho?
A
mulher revirou os olhos, jogando para trás as mechas do cabelo prateado, tentando
se acalmar.
Havia poucos locais que gostasse menos
do que estalagens para exterminadores, mas ainda eram os melhores lugares para
conseguir novos trabalhos.
- Por que não iria querer? – Perguntou,
após respirar fundo e contar até dez mentalmente.
- Be-bem... É um caso clássico de
sereia matando civis, e-ela precisa ser abatida e você é conhecida por...
por... – Era quase divertido vê-lo engasgar de nervosismos. Em alguma outra
hora ou local, provavelmente teria pena do garoto, mas não se sentia disposta
naquele dia. Ele engoliu em seco, antes de conseguir concluir. – Por ser
simpatizante de monstros.
Respirou fundo, reunindo a paciência
mais uma vez. Já estava cansada de ouvir a mesma ladainha toda a vez.
- Verdade? – Indagou de forma
debochada, com um pequeno sorriso cínico, se inclinando contra o balcão, de
modo a se aproximar mais do rapaz. Fazendo-o se encolher, assustado. – O que te
faria pensar isso? Os olhos grandes? – Perguntou, arregalando os olhos, de modo
a ressaltar as íris douradas. – Os dentes pontudos? – Continuou, abrindo mais o
sorriso de modo feroz. – Ou as garras afiadas? – Concluiu, expandindo as unhas
negras enquanto as batia no balcão.
- O caso é seu! – O garoto exclamou com
voz aguda. Chegando a tremer enquanto carimbava a ficha do pedido e a devolvia.
A mulher fingiu um sorriso gentil,
enquanto pegava o formulário do caso. Virando-se para deixar o local.
Já estava quase chegando à porta quando
ouviu uma voz conhecida:
- Vejam só o que temos aqui, rapazes. O
que dizer quando deixam uma vila inteira sob controle de um clã de vampiros? –
Houve alguns instantes de silêncio, antes que voltasse a falar. – Cachorrinha
feia, cadelinha muito feia!
Uma serie de risadas altas irromperam
do grupo com o qual o dono da voz falava.
Com sua visão periférica conseguia ver
o grupo de cinco exterminadores em uma mesa no canto da estalagem. Duas
mulheres e três homens, sendo um deles responsável pelo comentário.
Enzo tinha estatura baixa e era um
pouco a cima do peso, com o cabelo curto loiro escuro, pequenos olhos castanhos
e trazia um pequeno sorriso desagradável.
No fundo de sua mente, uma voz lhe
dizia que a melhor opção era ignorar e deixar logo a estalagem, mas não se
sentia nem um pouco inclinada a fazê-lo.
- Diferente de vocês, Amaryllis é
uma profissional competente! Ela não mata qualquer criatura, sem investigar com
cuidado antes!
Todos os presentes se voltaram para
o bar, onde a jovem atendente de aproximadamente 17 anos falava, com as mãos na
cintura e uma expressão séria.
A exterminadora ficou em silêncio
alguns segundos, olhando com os olhos arregalados e a boca entreaberta em
surpresa. Não se lembrava da ultima vez que tinha sido defendida.
Todavia, Enzo fez um som de deboche
estalando a língua.
- E quem te perguntou alguma coisa,
garçonete? O seu trabalho é nos servir, faça-o em silêncio!
A meio-licantropo assistiu o grupo
voltar a gargalhar em apoio, enquanto a garota corava, constrangida.
Isso foi o suficiente para selar a
questão. Voltou-se totalmente para o grupo, observando o exterminador metido a
engraçadinho de cima a baixo e sorriu satisfeita, vendo o colar de presas de
lobisomem que ostentava.
Abriu um meio sorriso
condescendente, antes de falar:
- Esta certamente feliz hoje, não é
mesmo, Enzo? Resultado da recente lua de mel?
O loiro a encarou, parecendo
confuso. O grupo inteiro em silêncio, assistindo o desenrolar da história.
- Este colar de presas de
lobisomens. – Explicou como se falasse com uma criança pequena, apontando para
a peça. – Parece muito com o que os alfas das tribos do oeste presenteiam seus
parceiros em noites de acasalamento.
O homem arregalou os olhos, enquanto
seus companheiros tentavam e falhavam em conter o riso.
- O que você esta insinuando?! –
Bradou, com uma expressão indignada, sentindo o rosto esquentar.
- Nada demais. – Respondeu, com a
melhor cara ingênua que sabia forjar, chegando a erguer as mãos como em sinal rendição.
– Apenas quero dizer que desejo toda felicidade ao casal. – concluiu.
Dessa vez os outros exterminadores
nem se esforçaram para controlar as gargalhadas, que ecoaram na estalagem
vazia, abafando os gritos indignados do loiro.
Tornou a se virar para sair, não sem
antes olhar de canto de olho para atendente, que a observava com as bochechas
coradas e olhos brilhando em admiração. Não acostumada com aquele tipo de
reação, apenas piscou um olho para ela, antes de ir embora.
O caso que escolhera era simples: Em
um vilarejo ribeirinho, o número de crianças e adolescentes morrendo afogados havia
triplicado no último ano. Não por acaso, mesma época em que decidiram expandir
o vilarejo, invadindo uma parte até então isolada do rio.
Parecia uma clássica situação de
humanos tomando espaços, sem se preocupar com o que vivia ali antes.
Foram três dias de viagem até o
local. Chegou ao final da tarde, quando a maior parte dos pescadores já haviam
retornado do trabalho e estavam em seus lares, com suas famílias. Portando chamou
pouca atenção. Logo se apresentou na casa do chefe do vilarejo e decidiu
começar a investigação o quanto antes.
Foi informada de que acharam uma
nova vítima naquela manhã, o corpo ainda se encontrava em uma pequena sala na
capela do vilarejo, onde seria preparado para o funeral.
Sentiu-se enjoada no momento em que
adentrou na sala, que tinha apenas uma pequena janela, não dando conta da
ventilação. Todo o ambiente recendia a ervas muito doces e carne em
decomposição. O fato da vítima ter se afogado, deixava o odor ainda mais desagradável.
A exterminadora sentiu necessidade
imediata de deixar o lugar em busca de ar fresco, a cabeça rodando devido ao
enjoo. Uma pessoa normal já não lidaria bem com o cheiro, mas com seu olfato
apurado era uma verdadeira tortura.
Apertou as garras pontiagudas na
palma da mão, tentando se manter firme e se aproximou do corpo. Era uma menina,
que devia ter 13/14 anos, a pele antes morena, desbotaram para um tom cinzento
e nauseante.
Lamentou não ter visto o corpo no
local em que fora encontrado, a manipulação podia ter eliminado diversas
possíveis pistas. Bem como a água sumira com qualquer cheiro que indicasse com
o que estava lidando.
Além disso, o corpo permanecia
intacto, sem qualquer indicação de que alguma criatura se alimentara dele. O
que enfraquecia a teoria de que se tratava de uma sereia.
De repente o trabalho já não era tão
simples.
O ambiente fechado da sala, além de
tudo era quente. Sentia sua cabeça doer devido aos odores, dificultando seu
raciocínio e turvando sua visão, enquanto se forçava a continuar examinando o corpo
em busca de qualquer indício.
Analisando com cuidado as mãos, que
ainda continham resquícios da lama do rio em baixo das unhas, notou o fio
enrolado entre os dedos finos da vítima.
Era um fio muito longo, que não dava
para definir se a cor era preta ou um verde muito escuro, e não parecia se
tratar de cabelo, pois era mais grosso que o comum.
Desistindo de encontrar mais alguma
coisa, deixou a sala as pressas. Não se importando em demonstrar o quanto
estava aliviada uma vez que chegou a parte de fora da capela e pode finalmente
respirar ar puro.
- Senhorita exterminadora?
Voltou-se para a pessoa que a
chamava, ainda sugando grandes lufadas de ar, tentando eliminar qualquer
resquício do cheiro enjoativo.
Reconheceu o homem que a chamava
como um dos que estavam na casa do chefe quando chegou. Era um homem alto, de
pele muito escura, cabeça raspada, com músculos desenvolvidos por anos de
trabalho pesado e um olhar gentil.
Amaryllis gostava de trabalhar nos
reinos do sul, onde sua pele acobreada se misturava na multidão e as pessoas
demonstravam ser mais calorosas e receptivas.
Permaneceu em silêncio o encarando e
o homem logo voltou a falar, parecendo inseguro.
- Bem, eu queria de saber se a
senhorita vai assistir a cerimônia mais tarde?
- Que cerimônia?
O homem parece desconcertado diante
da pergunta e esfregou uma das mãos calejadas na nuca, desviando o olhar quando
voltou a falar.
- Be-bem, nós pensamos que a
senhorita chegaria aqui e iria logo para a floresta, matar o monstro... Mas
como parou para investigar e acabamos de perder mais uma criança... – O homem
parecia constrangido pelo que estava dizendo, sua demora servindo apenas para
deixar a exterminadora nervosa e irritada. – O chefe decidiu fazer um
sacrifício para acalmar o rio.
A mulher sentiu seu coração acelerar de
imediato, não acreditando no que ouvia.
- Como assim sacrifício para o rio?!
Vocês chamaram um exterminador para resolver o problema e agora que estou aqui
decidem fazer isso?! – Sentiu uma pontada de culpa, vendo o homem se encolher
diante do volume e agressividade de suas palavras, mas não conseguia, nem
queria, se conter.
- Sim, mas a senhorita chegou agora de
tarde e ainda ‘ta aí, olhando os cadáveres que já morreram.
Passou a mão sobre o rosto, apertando a
ponte do nariz, entre os olhos, e respirou fundo, tentando se acalmar.
- Eu estou investigando. – Falou de forma
pausada, tentando conter a irritação que sentia. – Como posso matar algo, que
não sei o que é?
- Mas a gente não pode ficar esperando
a senhorita investigar, dona exterminadora, os jovens estão morrendo e a gente
precisa dessa mão de obra.
- Mas não faz sentido! Vocês me
chamaram aqui porque um monstro esta matando os jovens e então decidem
simplesmente matar um de graça, para tentar aplacar uma criatura que não sabem
o que é?!
- Olha, essa foi a decisão do chefe.
– Respondeu do homem, que continuava desviando o olhar da exterminadora,
demonstrando estar extremamente desconfortável com a situação.
- Jura? E como o chefe pretende
decidir qual criança matar? – Perguntou, entre dentes, contendo-se para não
rosnar de raiva.
- Já escolheram uma menina, a Clara,
é filha de um grande pescador da vila, mas nasceu cega, tadinha, não serve para
nada.
Sentiu um nó se fechar em sua
garganta, diante das palavras. O homem não falava com maldade, demonstrando
real pena da garota, no mesmo tempo que não parecia perceber a gravidade do que
dizia.
Infelizmente fazia sentido, nos
reinos do leste pessoas cegas eram consideradas sábias. Porém no sul, ainda
mais em um vilarejo tão pequeno e humilde, não eram bem vistas.
- 24 horas! – Falou, sentindo as
palavras arranharem sua garganta, e o homem a olhou confuso. – Me dê 24 horas,
até o pôr-do-sol de amanhã, para ir até floresta e matar a criatura, depois
disso podem fazer o que quiserem!
O homem abriu um sorriso animado
diante das palavras dela, acenando com a cabeça com afinco.
- Eu vou fazer tudo que puder. –
Prometeu.
A exterminadora acenou com a cabeça
uma vez em confirmação, vendo-o partir em direção a casa do chefe.
Ficando sozinha, olhou para o céu
que já estava escuro, apinhado de estrelas e com a lua minguante em um sorriso
tenebroso, sabia que estava arriscando demais.
Montou em sua moto, sentindo seu
corpo todo arrepiar ao som do motor, enquanto a vibração do veículo a aquecia,
antes de partir para a floresta.
Era praticamente suicídio, tinha
consciência disso, se embrenhar em meio à floresta, de noite, sem saber o que
enfrentaria. Poderia ser um fantasma de alguém que se afogara no rio, e teria
que ter pesquisado o ritual correto para fazê-lo deixar o local. Talvez fosse
uma pessoa comum, um assassino se valendo das lendas sobre o rio para encobrir
seus crimes. Nem mesmo uma sereia estava totalmente descartada, ela poderia
simplesmente ser muito vingativa, matando não para comer, mas para tentar
afastar os humanos que invadiram seu território.
Não sabia o que a aguardava, mas não
podia deixar que matassem um inocente. Simplesmente não podia.
Chegando ao ponto do rio onde os afogamentos
teriam acontecido, parou a moto, sentindo calafrios.
Todo o local exalava uma aura instigante,
sedutora e pouco convidativa ao mesmo tempo. A copa das arvores se
entrelaçavam, impedindo a passagem de quase toda iluminação das estrelas e
deixando o farol da moto como praticamente a única fonte de luz.
Também não havia como identificar qualquer
cheiro específico, em meio aos aromas da floresta, fazendo com que se visse em
completa desvantagem.
Andou pelo local, atenta a todos os
sons, buscando por marcas na terra úmida da margem.
Estava de costas para o rio, quando
ouviu o som de pequenas ondas quebrando na margem, como um suave galopar.
Virou-se a tempo de ver emergir das
águas um dos seres mais belos que já encontrara. Tinha a forma humana, um corpo
que parecia esculpido, forte e proporcional, a barriga plana, seios fartos e
quadris largos, as pernas grossas, torneadas, com músculos que pareciam ter
nascido com a ela, e braços longos e delineados. O rosto tinha proporções
perfeitas, com o nariz arredondado harmonioso com as maçãs do rosto altas. A
boca de lábios grossos trazia um sorriso, que deixava entrever uma fileira de
perfeitos dentes perolados, e os olhos muito escuros pareciam capazes de
devorar a alma de quem os olhasse por muito tempo.
Estava completamente nua, a pele
negra chegando a reluzir sob a luz do farol, com o corpo sendo apenas
parcialmente coberto pelos longos cabelos que desciam até os joelhos, em fios
curvos que pareciam mesclar tons de preto e um verde tão escuro quanto o musgo
que se acumulava na beira do rio.
Diante de tão incrível visão, sentiu
dificuldade para respirar, ficando paralisada, com os lábios entreabertos em surpresa.
Porém quando o ser deu um passo em sua direção, assumiu uma postura defensiva,
com uma expressão séria.
- Você é um cavalo das águas. –
Afirmou.
A criatura inclinou levemente a
cabeça em concordância.
- E você é... Interessante. –
Respondeu, em um tom de voz suave, que fez com que um calor se espalhasse por
todo seu abdômen, concentrando-se em seu baixo ventre.
Amaryllis respirava fundo, buscando
conter as reações de seu corpo, enquanto o ser permanecia parado, observando-a
sem dar qualquer sinal de que iria se mover.
- Não faz sentido. – Continuou a
meio-licantropo. – Cavalos das águas não matam com tanta frequência, exatamente
para não atraírem atenção. Mas no último ano você já matou 15 pessoas! - A
criatura apenas expandiu seu sorriso, sem dizer mais nada. – Por que esta
fazendo isso?
O Cavalo das Águas deu uma risada perversa,
que faz Amaryllis se sentir pequena e indefesa.
- Porque posso, porque é divertido. –
Respondeu como se não estivesse dizendo nada demais, fazendo com que a
exterminadora sentisse um nó em sua garganta. – Estava entediada de apenas
assistir humanos morrendo de vez em quando, então decidi que iria brincar com
eles, aterrorizá-los e então assisti-los matarem uns aos outros buscando a
própria sobrevivência, até que se autodestruíssem por completo.
- Não vou permitir que continue com
isso. – Afirmou, sentindo uma mistura de raiva e repulsa queimar na altura de
seu estômago.
Porém a criatura apenas riu com mais
vontade.
- Por que não, pequena mestiça?
Aquele bando de humanos ignorantes não significa nada para você. Nós poderíamos
negociar um acordo muito mais... divertido.
- A voz da criatura era rouca, insinuante e tentadora.
A exterminadora assistiu, com o
coração acelerando, quando ela mudava de forma, tornando-se um homem com corpo
e rosto tão perfeitos quanto a versão feminina, sem desviar em nenhum instante
o olhar penetrante.
- Te deixo escolher a forma que mais
lhe agradar... Se puder é claro. – Quando voltou a falar, a voz se tornara mais
grave, parecendo escorrer pela língua e fazendo Amaryllis se arrepiar.
- Eu... – Engasgou, sua voz saindo
tremida, antes que engolisse em seco e voltasse a falar. – Eu não vou permitir
que continue matando inocentes!
Manteve-se firme, lutando contra o
desejo de se entregar a sedução e sentindo seu corpo inteiro protestar contra a
decisão.
- Oh, como você é nobre. – Debochou a
criatura, dando mais um passo em direção a terra.
A exterminadora tremeu, vendo a
forma masculina inteira fora da água. Em sua versão feminina, a criatura devia
regular de altura com ela, mas nesta forma a fazia se sentir pequena.
- De onde vem tanta nobreza, jovem
Amaryllis? – A pergunta também veio em tom de deboche. – Será a sua necessidade
de provar que não é um monstro?
Engasgou, sentindo o peso do olhar
do Cavalo das Águas sobre si, queria desviar dele, mas não conseguia,
assistindo-o se aproximar cada vez mais.
- Eu não preciso provar nada pra
ninguém! – Respondeu, no tom mais firme que conseguia.
- Ah, sim, precisa sim. – Retrucou a
criatura, agora tão perto que bastava estender o braço para tocá-la. Ergueu a mão
e acariciou a bochecha esquerda da mulher com o polegar. – Eu consigo ver por
trás da sua fachada de dureza. Enxergar a pequena menina solitária, tão carente
de aprovação. - Ela tremia, querendo negar as palavras dele, o contato da pele
gelada fazendo com que seu corpo fosse tomado por um misto de pavor e desejo. –
Deixe-me curar essa carência por essa noite, prometo fazê-la se sentir tão bem.
– Concluiu, tão próximo que sua respiração fria e estável se misturava com o
ofegar incerto da exterminadora.
Juntando todas as suas forças, ela
deu um passo para trás, cortando o contato e conseguindo recuperar um pouco do
autocontrole.
- E depois você me mata afogada, não
é verdade? – Falou, satisfeita consigo mesma por sua voz não ter tremido.
A criatura apenas riu, jogando para
trás uma mecha de cabelo.
- Oh, criança, eu vou te matar de
qualquer jeito. – Respondeu, assumindo um ar totalmente predatório, antes de atacá-la.
Amaryllis conseguiu se desviar por
pouco, impedindo que ele a agarrasse com a mão direita. Deixando suas garras se
expandirem, tentou segurar o braço da criatura, mas a pele lisa e molhada
deslizou com facilidade.
Sem hesitar, o ser ergueu a perna
esquerda, acertando uma joelhada diretamente na lateral direita da exterminadora,
que sentiu suas costelas trincarem diante do impacto, ao mesmo tempo que todo o
ar deixava seus pulmões.
Determinada a não cair, afastou as
pernas, fincando os pés com firmeza na terra molhada, e assumindo uma postura
defensiva com os braços, enquanto o Cavalo das Águas voltava a se mover em sua
direção.
O viu mover a mão esquerda, como se
planejasse agarrar seu pescoço, e ergueu o braço direito, impedindo-o, ao mesmo
tempo que se valia da proximidade para desferir um golpe contra sua cabeça com
a mão esquerda, sorrindo satisfeita ao sentir suas garras rasgarem a bochecha
do monstro.
Ele urrou de ódio, sentindo a dor
dos cortes e segurou com força o braço que ela usara para se defender,
impedindo-a de se afastar, enquanto desferia uma serie de joelhadas em sua
lateral esquerda.
Quase cega pela dor, Amarillys
tornou a atacar com a mão esquerda, batendo seu punho diretamente na mandíbula da
criatura, que a soltou e recuou dois passos com o impacto do golpe.
Ignorando os protestos de seu corpo,
a exterminadora aproveitou a oportunidade para avançar, desferindo uma serie de
socos no abdômen da criatura.
Infelizmente, estava cansada após
três dias de viagem e a ida direta para a floresta, e em um intervalo um pouco
mais longo entre os socos, o cavalo das águas conseguiu segurar seu braço
esquerdo, torcendo-o em suas costas de modo a imobilizá-la.
- Eu vou matar você, aberração, e
depois irei assistir os idiotas sacrificarem uma a uma suas crianças, tentando
me impedir de matar as outras.
Amaryllis respirou fundo, se
preparando para a dor que sentiria. Antes de acertar uma cotovelada na criatura,
com o braço que não estava imobilizado, sentindo-a recuar com o impacto. Porém
o puxão em seu braço esquerdo fez com que deslocasse o ombro.
Mordendo o lábio inferior para
conter o gripo de dor, virou-se para a criatura, valendo-se da surpresa desta
para segurá-lo pelo pescoço.
- Não, hoje você não vai, seu filho
da puta! – Gritou, afundando as garras na carne e dilacerando sua garganta.
Assistiu a criatura rolar no chão,
debatendo-se desesperado, tentando conter o sangramento, enquanto se afogava
com o próprio sangue, até ficar totalmente imóvel. Lentamente voltando à forma
original, de um imenso cavalo negro, com crina verde escuro.
Amaryllis respirava fundo, arfando,
sentindo seu corpo inteiro protestar de devido à dor e cansaço.
Aproveitando-se do calor da batalha
e da adrenalina pulsando em suas veias, fechou a mão sobre o ombro deslocado,
puxando-o de volta ao lugar. Arrancando sangue dos lábios, que mordera tentando
conter a dor.
Caiu exausta, seu corpo cedendo a
exaustão. Não conseguiu resistir ao torpor do sono que a tomava, jurando que
fecharia os olhos por apenas 15 minutos.
Quando despertou, o sol já estava
alto, seus raios penetrando pela copa das árvores e aquecendo a terra gelada da
margem do rio.
Tentou se levantar, apenas para
sentir todas as suas costelas protestando. Mal conseguia mover o braço
esquerdo, sentindo o ombro quente e inchado dentro da jaqueta que couro, que
agora trazia um calor desconfortável.
Sentia o cheiro do corpo em
decomposição do cavalo das águas a poucos menos de dois metros de distância,
enjoando-a e fazendo aumentar a dor de cabeça que pressionava atrás de seus
olhos.
Pressionou os dedos por cima das pálpebras,
tentando aliviar o mínimo a dor, antes de se obrigar a levantar.
Foi em passos cambaleantes até a
moto, lutando para montá-la e manter o equilíbrio com apenas a mão direita no guidom,
determinada a chegar ao vilarejo onde talvez tivesse algum atendimento.
Conseguiu chegar à entrada do local
no fim da tarde, desligando a moto, antes de quase desmaiar de dor, dando um
jeito de cair para o lado direito, de modo que mesmo o veículo caindo, não
esmagasse sua perna.
Os moradores do vilarejo estavam
reunidos e ao a avistarem, um grupo correu em sua direção.
Respirava fundo, com os olhos embaçados
pela dor. Gemeu em protesto quando dois homens a seguraram e colocaram sentada,
era difícil focar em qualquer coisa, até que reconheceu a voz que falava com ela,
sendo o mesmo homem que a abordara na noite anterior.
- Senhorita exterminadora! Senhorita
exterminadora! O que houve?
Piscou os olhos algumas vezes,
recuperando o foco, antes de falar.
- Eu consegui... – Murmurou,
erguendo a mão direita, ainda suja com o sangue escuro da criatura. – Matei o
cavalo das águas que estava afogando as crianças, não... Ninguém precisa ser
sacrificado. – Concluiu, falando com a voz fraca.
Uma serie de murmúrios seguiram suas
palavras, enquanto os moradores cochichavam entre si.
Amaryllis sentiu um nó se formar em seu
peito, vendo o homem engolir em seco.
- Eu sinto muito, senhorita
exterminadora, mas o chefe não...
As palavras tornaram-se um zumbido
no fundo da mente da meio-licantropo, enquanto ela erguia os olhos e percorria
a multidão turva. Entre eles, era possível ver um grupo de quatro homens
carregando uma maca, coberta por um pano branco, que não escondia a forma do
que era inegavelmente um corpo.
Virou-se para o lado e vomitou
apenas suco gástrico, já que não comia desde o almoço no dia anterior, sentindo
o canto dos olhos queimarem com lágrimas contidas.
Os homens da aldeia a movimentavam,
levando-a para a pequena cabana onde teria um pequeno centro médico. Porém
Amaryllis sentia-se anestesiada, as vozes das pessoas ao seu redor eram apenas
zumbidos.
Não adiantara de nada, o risco que
correra indo até o local, sem saber o que iria enfrentar, e resistir às
tentações da criatura, nada! Aquelas pessoas mataram uma criança, não quiseram esperá-la
voltar, não lhe deram o menor voto de confiança, preferiram acabar com a vida
de uma pobre menina cega.
Foi colocada sobre uma cama e
desmaiou, sentindo-se fraca, derrotada e inútil.
Falhara.
Fim.