quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Diferente.

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Nunca percebera o quanto era facilmente influenciada. O quanto se deixava afetar pela opinião dos outros, sobre si mesma.

"Você é diferente das outras meninas" lhe diziam, com ar de aprovação e, tola, enchia-se de orgulho.

Era diferente, de fato. Talvez por isso as outras meninas não gostassem de brincar com ela, porque era diferente.  Tudo bem, devia ter orgulho disso. Era superior as demais, não é?

"Você não é como as outras, gosta de coisas legais", ouvia e se sentia privilegiada. Podia não ter uma aparência como a delas, ser tão magra quanto ou com o cabelo igual. Mas tinha acesso ao que mais desejavam. Era próxima dos garotos, conhecia seus mundos. O que mais uma garota poderia querer?

Pelo menos acreditava que conhecia. Aprendera a rir de piadas sobre "coisas de mulherzinha", afinal não a afetavam. Ela era diferente, certo? Conquistara a aprovação masculina.

Acontece que também gostava de "coisas de mulherzinha", gostava de se arrumar e maquiar. Aprendera como queria se vestir e manter os cabelos.

"De vez em quando até esqueço que você é mulher! Você é tipo um brother pra mim"! Ouvia, mesmo arrumada de acordo com o que lhe diziam que uma mulher devia usar, tendo a doce certeza de que era diferente. Feminina sim, mas jamais como as outras, tinha o status de garota legal, que privilégio.

Sentia-se feliz em não ser como as outras. Mulheres eram falsas e fúteis, certo? Sempre competindo pela atenção dos homens.

Ah, era tão superior a tudo isso. Conhecia verdadeiramente os homens e só andava entre eles. Nunca seria outra vadia burra, merecedora de ser usada... Claro.

Viveu de forma confortável com isso a vida inteira, era uma mulher forte e independente, criada por outra mulher forte e independente.

Dona de sua própria vida, sem precisar prestar contas a ninguém e capaz de resolver tudo sozinha. Definitivamente não nascera para ser uma donzela indefesa.

Esse era o papel das mulheres "normais", certo? Trancadas em suas torres, aguardando o príncipe que lhe traria seu final feliz!

Pelo menos até que gerasse a próxima princesa. Então morreria, para que seu marido casasse com a madrasta má, dando início ao próximo conto de fadas.

Porém não nascera para isso, era diferente.

Viveu tranquilamente com suas certezas, sem jamais questioná-las, até o dia em que as viu.

Em um evento qualquer,  em um lugar simples, mas bem decorado, elas conquistavam o espaço arranjado para apresentações, tomando-o para si, como ninfas brincando no meio da floresta.

Dançavam e riam, enquanto compartilhavam doces e segredos.

Assistiu estupefata questionarem com graça e elegância verdades que se forçara a engolir. Questionando padrões e comportamentos, imbuídas de um poder e companheirismo que sempre ouvira não ser natural das mulheres.

Eram lindas, poderosas e livres, sem que ninguém precisasse bater palmas ou aprovar seus atos. Não buscavam aplausos, pois eram plenas em si mesmas e para si mesmas.

Lá estavam, desmascarando as farsas, pulsando com tanto amor em sua dança e atuação, que deixavam todo o ambiente com um ar mágico.

De repente, sem que sequer entendesse os motivos, assistindo-as falar de beleza em várias formas, afastando o feminino de maquiagens e padrões, sentiu os olhos arderem e lágrimas rolarem por sua face.

Sentia que algo em seu interior, a muito esquecido, despertava e queria fazer parte da magia que presenciava, mas não conseguia adentrar naquela sintonia.

Entre risos, segredos e encantamento, tinham arrancado de seus olhos o véu e constatava que não era tão diferente assim. Embora achasse que sempre soube, ali viu se revelar a verdade sobre o ser mulher e o que era o molde de boneca ideal, no qual jamais se enquadrara.

Percebia a própria sacralidade em ser o que era, não por ser diferente de todas as outras, mas sim por compartilhar com elas feridas e batalhas, que apenas outras mulheres entenderiam.

Havia uma longa jornada para se travar, desconstruindo tudo que aprendera até então sobre força e feminilidade, sobre padrões e ser mulher. Porém ali começara sua libertação.

Não se preocupava mais em ser igual ou diferente, bastava ser ela mesma.


Fim.

2 comentários:

  1. Se eu fechar os olhos eu sou capaz de sentir o gosto das jujubas e o cheiro de incenso de rosas...

    Seus textos sempre são especiais, mas tem uns que são um tiro aqui dentro <3 Gratidão!

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    1. Eu ainda lembro das palavras, que mesmo sem que eu entendesse o porquê, me fizeram chorar tanto!
      Gratidão a você, flor! <3

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