quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O Apostador.

Imagem localizada no google e editada por mim. Caso haja problemas de créditos ou uso, favor entrar em contato.

         Olhou suas cartas por mero reflexo, já tendo decorado os símbolos. Na sala enevoada com fumaça de cigarros, cheirando a bebida barata e suor, ecoava o som das risadas de seus companheiros de mesa.

         Ninguém lhe dava muita atenção, exceto para debochar de suas derrotas a cada rodada.

         Já havia perdido quase tudo o que tinha, mas como poderia parar agora? Já cruzara toda a madrugada jogando e o sol logo iria nascer anunciando o final do jogo. Não, não era hora de parar.

         Assistiu diversos amigos deixarem a mesa, quase quebrados, reunindo o pouco que lhes restara, desacreditados de qualquer possibilidade de virarem o jogo.

         A sua volta, os sorrisos de escárnio cresciam, junto com os goles de bebida e as baforadas de fumaça. Seus olhos lacrimejavam e era difícil de respirar.

         Mais uma rodada. Perdera novamente, assistiu uma mulher estonteante, em um caro vestido preto decotado, estender as duas mãos perfeitamente manicuradas pelo tampo da mesa e puxar em sua direção todas as fichas. Seus olhos brilhando em cobiça.

         Um homem ao seu lado riu da ânsia dela, enquanto batia algumas das fichas de sua própria montanha contra outras, relaxado, saboreando sua própria sorte.

         Do outro lado dela, outro homem ergueu um isqueiro, oferecendo-se para acender o novo cigarro que a mulher levara aos lábios.

         - Pare enquanto ainda tem alguma coisa. – Um amigo falou em seu ouvido, tendo se aproximado por detrás dele.

         Os dois olharam para as últimas cinco fichas a sua frente e ele sentiu medo do que significaria perdê-las. Porém ergueu os olhos, vendo que a pequena nesga de céu que aparecia entre as cortinas fechadas da janela, mudava lentamente de cor.

Balançou a cabeça em negativa, indicando que continuaria e sentiu o amigo apertar a mão em seu ombro, em um misto de apoio e condolências, antes de tornar a se afastar.

         Nem de longe sua aparência condizia com a de seus colegas de jogo, todos elegantes, em roupas caras, com joias que cintilavam mesmo na luz fraca do local.

         Usava um terno gasto, que sabia ter furos em alguns pontos do forro. A camisa de botões já não era tão branca, após várias lavagens, e seus sapatos, embora limpos, estavam bem gastos, sentia que as solas furariam em breve.

         Uma gota de suor frio correu por sua nuca, assistindo outra mulher, vestida de vermelho, embaralhar as cartas com destreza, antes de se preparar para distribui-las e então parou.

         Todos na mesa empurraram suas montanhas de fichas para o centro e passaram a encará-lo.

         Tudo ou nada, era a rodada final.

         Afrouxou o nó de sua gravata e passou uma das mãos pelos curtos cabelos negros, já bem bagunçados devido ao número de vezes que repetira o gesto naquela noite.

         De um canto da sala, os poucos amigos que ainda tinha o olhavam apreensivos, suas expressões implorando silenciosamente que desistisse.

         Todos os seus competidores estavam voltados em sua direção, com sorrisos famintos.

         A cena chegava ao ridículo. Uma ficha de cada uma dessas pessoas seria o suficiente para salvá-lo da completa ruina, porém ainda desejavam as poucas peças que lhe restavam. Queriam tudo só para eles.

         A reflexão se deu no espaço de dez segundos que levou para decidir. Não abaixaria a cabeça, não se permitiria desistir diante de seres tão pequenos e vazios quanto aqueles.

         Se perdesse, depois pensaria no que fazer, mas agora tinha o dever de arriscar. Não conseguiria voltar a dormir em paz, se parasse agora. Precisava mostrar aos amigos que deviam continuar tentando.

         Respirou fundo, antes de empurrar suas últimas fichas para o centro da mesa.

         - Ele não pode jogar. – Disse um de seus competidores, antes que suas fichas chegassem ao destino.

         Os olhares se voltaram para o velho em sua diagonal direita. Ele lhe lançou um olhar de desprezo, fazendo um arrepio frio percorrer sua coluna, mas manteve o olhar firme, não se permitindo intimidar.

         Suas mãos enrugadas estavam cruzadas sobre o tampo da mesa, ele exibia um sorriso pequeno e desagradável, que não atingia seus olhos, completamente negros e famintos, que pareciam capazes de rasgar o corpo e devorar a alma de quem os olhasse diretamente.

         Conheciam-se há muito tempo, mas do que qualquer um seria capaz de lembrar.

         - Deixe-o. – Falou a mulher de vermelho, ainda brincando com o baralho. – Vamos acabar com ele definitivamente.

         Os outros membros da mesa soltaram exclamações de apoio, ávidos pela oportunidade de o derrotarem uma última vez, silenciando qualquer possível argumento que o velho teria.

         Então as cartas foram distribuídas e ele sorriu, fazendo com que todos os outros presentes na mesa se arrepiassem.

         Mantivera-se inexpressivo o jogo inteiro, nada além da habitual aparência cansada, ressaltada pelas grandes olheiras e barba por fazer, que sempre tinha nos últimos tempos. Agora sorria, exibindo dentes brancos perfeitos, com os olhos azuis brilhando de satisfação.

         - Estou fora! – Exclamou a mulher de vermelho, jogando suas cartas sobre a mesa, sem virá-las.

         - Também estou. – Afirmou o homem que anteriormente brincava de bater suas fichas na mesa.

         - Fora. – Murmurou a de preto, com uma expressão contrariada.

         Um a um, todos os presentes na mesa desistiram, até restar apenas o jogador e o velho.

         A tensão no ar era palpável, ninguém parecia ter coragem de respirar.

         A boca do velho estava contorcida em uma expressão de desagrado e as mãos tremiam segurando as cartas, enquanto o outro permanecia tranquilo, sentado de modo relaxado, com um sorriso nos lábios.

         - Fora. – Por fim o velho declarou, soltando as cartas como se essas o queimassem.

         O apostador apenas abriu na mesa seu par de dois, ainda sorrindo, ouvindo os grunhidos irados daqueles com quem jogara, em xingamentos repletos de ódio.

         - Isso ainda não acabou. – O velho falou, entre os dentes cerrados de ódio.

         - Jogamos quando quiser. – Respondeu Esperança com tranquilidade, terminando de recolher seu prêmio e virando-se para a saída.

         Por entre as cortinas, o céu assumia diversos tons de laranja e vermelho, anunciando um novo dia.


Fim.

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