quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A Dama das Camélias.

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         Antes mesmo de abrir os olhos, sentiu a cabeça pesada. A boca seca, com gosto amargo e desagradável anunciava a ressaca que se fazia cada vez mais presente.

         Revirou-se na cama, tentando lembrar a noite anterior e recordando apenas  do que pareciam flashs de luz estroboscópica e corpos em movimento. Sua mente, confusa, sentia que faltava algo e passando a mão pelo lado vazio da grande cama, estranhou sentir o toque de algo pequeno e macio.

         Abriu os olhos, ignorando a dor causada pela claridade, enquanto focava na delicada flor vermelha deixada sobre o lençol.

         Sorriu, aspirando o perfume suave que ainda preenchia o ambiente. Marca registrada dela.

         As visitas começaram havia três anos e cada vez ela assumia uma forma distinta, partindo antes do amanhecer e deixando uma camélia para que soubesse não se tratar de um sonho. Era sua musa.

         Via-se como mais um artista frustrado, quando a mulher surgiu pela primeira vez. Lembrava-se da pele cor de cobre, quase reluzente, os olhos castanhos e os cabelos em tranças grossas, entrelaçadas com fios vermelhos. A blusa de alças, justa e decotada, e a saia longa, estampada, em cores quentes, destacava o corpo cheio e curvilíneo. Ela trazia um sorriso fascinante, de quem sabia o melhor segredo do mundo e jamais iria compartilhá-lo.

         Conversaram a noite toda, compartilhando álcool e outras drogas. Quando acordara na manhã seguinte, do seu lado, meio enterrada na areia da praia, estava uma flor e naquele dia pintou a imagem que lhe traria a fama: Uma dama de vermelho, saindo das águas, as tranças esvoaçando pelo efeito do vento, as ondas lambendo seus pés e a luz do sol como se irradiasse dela própria, formando uma figura mística, forte e sedutora.

         Muitos encontros seguiram este, cada um rendendo um quadro e uma noite mágica.

         Pegou o bloco que deixava na mesa de cabeceira, começando traçar um esboço, enquanto os acontecimentos da noite anterior se faziam mais claros.

         Estava em sua casa de campo, a quilômetros de qualquer civilização, bebendo vinho e implorando pela visita de sua musa, quando a campainha tocou.

         Parada em sua porta estava uma jovem garota, que mal devia ter chegado aos 20 anos, de corpo miúdo e bem magra, com curtos cabelos loiros, de pontas cor de rosa. Usando uma calça jeans clara, rasgada e uma blusa, com alguma estampa que não conseguia recordar. Seus grandes olhos verdes estavam vermelhos devido às lágrimas, quando ela falou:

         - Me desculpe incomodar! Mas me perdi dos meus amigos e não consigo voltar para o acampamento.

         Ele deu um suspiro irritado. Incidentes como aquele eram comuns na região, porém nunca imaginara se envolver em um.

         Permitiu que a garota entrasse e usasse seu telefone, apenas para constatar que não havia como ela conseguir sinal para entrar em contato com os amigos, afinal as operadoras de celular mal funcionavam na região.

         Sentindo-se contrariado, pois perdia as esperanças de que sua musa aparecesse naquela noite, mas incapaz de deixar aquela jovem sozinha no meio da mata, de noite. Ofereceu-a seu quarto de hóspedes, no que ela pareceu receosa em aceitar, mas ficou.

         Antes que percebessem, compartilhavam o vinho, a jovem se mostrando uma companhia agradável, uma vez mais calma.

         Não se recordava quem seduzira quem ou como terminaram em sua cama, mas as sensações que ela despertara, permitiu que a reconhecesse.

         Montada sobre seu corpo, ela lhe sorriu do mesmo modo que em seu primeiro encontro. Os olhos brilhando com aquele segredo inacessível, enquanto ele gemia entregue ao prazer.

         Olhou para o esboço no bloco de notas, uma pequena jovem em meio a uma floresta fechada de araucárias, sua pele pálida parecendo quase translúcida devido a luz, bem como o etéreo vestido esvoaçante que usava, deixando apenas entrever suas formas miúdas, com os olhos brilhando devido a lágrimas não derramadas. Mais uma obra-prima.


Fim.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

O Sequestro da Harpa Dourada.

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         Longas extensões de terras secas e subtilizadas, repletas de ervas daninhas e plantas agonizando. A elegante casa principal demonstrava ter vivido dias de luxo e glamour, mas agora restava suja e necessitando de diversos reparos.

         A mesa uma senhora já idosa, com gastas roupas desbotadas, que um dia foram elegantes e um homem com roupas em igual estado, ambos compartilham expressões amarguradas. O jantar é apenas uma ave magra assada, sem qualquer acompanhamento.

         Meu mestre sempre foi tão generoso e disposto a compartilhar o que tinha, se tivesse ouvido meus alertas talvez o final dessa história fosse mais feliz.

         A primeira vez que o menino invadiu o castelo, ele dormia, relaxado pelo som de minhas cordas, após o almoço.

         Era um garoto pequeno e magricela, com cabelos cor de palha muito sujos e roupas esfarrapadas. Seus olhos azuis bem abertos com espanto, enquanto olhava maravilhado para as riquezas de meu mestre.

         Quando me olhou diretamente, notei que seus olhos brilhavam com cobiça, fazendo com que um arrepio gelasse meu corpo metálico.

         A gansa do outro lado da sala grasnou, fazendo com que ele desviasse o olhar e decidi por ignorar a sensação.

         O recebemos como as normas de hospitalidade determinam, do modo como meu mestre sempre nos ordenava. Oferecemos ao garoto comida quente e um lugar para repousar.

         Porém foi uma visita curta, o tamanho de meu mestre, mesmo estando adormecido, intimidara o pequeno garoto humano. Embora sua fome o fizesse aceitar a comida oferecida.

         Quando satisfeito, o assistimos recolher o máximo de comida que podia carregar e partir, descendo pela estranha árvore, cujo a copa rompera o macio chão de nosso jardim, destruindo parte da horta de meu mestre.

         Na segunda visita do garoto, o mestre estava acordado e gargalhou ao perceber o tamanho de quem quase limpara o banquete em sua mesa, na semana anterior.

         A gansa grasnava alto, produzindo seus ovos preciosos, causando tanto barulho, que optei por permanecer em silêncio.

         Pela segunda vez, vislumbrei o brilho de ganância cega nos olhos do rapaz e temi a ausência de perspectiva daquele sentimento.

         Porém meu mestre pareceu alheio a isso, convidando-o novamente a sua mesa.

         Enquanto comiam em conjunto, ouviu fascinado as histórias sobre a mãe do rapaz, sua fazenda improdutiva e da vaca, que já não dava mais leite, que trocara com um viajante por três feijões.

         Após a refeição, meu mestre se recostou para dormir, dizendo que o rapaz ficasse a vontade, pois era bem-vindo em seu lar.

         Bastou que adormecesse, para ele tirar das vestes um enorme saco e começar a recolher os tesouros que enchiam o salão.

         Pedi que não o fizesse, que respeitasse o anfitrião que lhe recebera tão bem, garantindo que meu mestre teria prazer em compartilhar sua prosperidade, se agisse da maneira correta. Tudo em vão, o rapaz me ignorava, recolhendo os ovos dourados recém-postos pela gansa, que grasnava frustrada diante do ataque.

         Quando despertou, meu mestre logo notou que seu salão havia esvaziado, com uma decepção contida no olhar, demonstrando lamentar a atitude do garoto, mas não sofrer tanto por ela.

         - Temos fartura aqui. – Falou, com sua voz grave ecoando nas paredes de pedra. – Há mais alimentos e riquezas o que poderíamos necessitar e continuamos a produzir cada vez mais. - Concluiu, piscando um olho, enquanto acariciava as penas macias da gansa.

         - A ambição do rapaz não tem perspectiva, mestre! – Alertei, com a sensação de insegurança voltando a me apertar as entranhas. – Ele deseja mais do que o suficiente e vai querer cada vez mais!

         Porém meu mestre ignorou meus avisos, confiantes de que não tínhamos com o que nos preocupar.

         Três meses se passaram até que ele retornasse, desta vez vestindo roupas novas, bem costuradas, limpo e com uma espada embainhada na cintura.

         Se esgueirou pela noite, conseguindo invadir o castelo sem ser visto e capturou a gansa, enfiando-a em um saco de couro.

         Acordei sentindo uma mão se fechar em torno de meu corpo e me arrancar de meu pedestal. Apavorada, gritei:

         - Socorro, estão me roubando! – Com minhas cordas entoando notas estridentes.

         O barulho acordou meu mestre, que despertou confuso e ficou estagnado por alguns instantes, absorvendo os acontecimentos que se desdobravam a sua frente.

         Aproveitando-se deste momento, o garoto jogou o saco com a gansa por sobre o ombro e me segurou com força, impedindo qualquer reação.

         Com um urro de fúria, o mestre começou a persegui-lo, fazendo com que seus passos pesados reverberassem no piso, soando como trovões.

         O garoto já conseguira se afastar e quando meu mestre chegou ao portão do castelo, ele já descia pelo pé de feijão.

         A gansa e eu gritávamos e chorávamos, pedia que nos deixa-se ir, mas era tudo em vão.

         Os brados de fúria de meu mestre faziam escurecer o céu e tremer toda a realidade.

         Quando o garoto chegou a terra, um grupo de homens o esperava e começaram a cerrar a árvore, ignorando nossas súplicas por piedade.

         Com os olhos embaçados de lagrimas, assisti a árvore tombar, esmagando meu mestre que tentava se segurar nos ramos. Enquanto o sequestrador e seus cumplices celebravam a morte do que chamavam de monstro.

         Daquele dia em diante fui incapaz de entoar qualquer canção que não fosse lamúrias e a gansa jamais voltou a por um ovo dourado.

         A fortuna roubada de nosso mestre se desfez nos caprichos de nossos cruéis captores, que nos maltratavam exigindo que produzíssemos riquezas e alegrias, que já não conseguíamos mais.


Fim.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Harpia.

 
Imagem de MarkBulahao, localizada no Google e editada por mim. Caso haja problemas de uso ou Direitos Autoriais, favor entrar em contato.

         Estava sentada em um dos mais altos galhos de um carvalho, uma perna descansava esticada, enquanto outra balançava solta no ar. Esticou a coluna, ficando completamente encostada do tronco, as asas castanhas, uma de cada lado do tronco, eram sua maior segurança. Sentia a chuva limpar seu corpo e o vento a arrepiava, além de sacudir a fina túnica cor de creme, deixando uma parte maior das pernas amostra.

         Dominada pela força da natureza, olhou para baixo, vendo o solo a metros de distância, riu sozinha, com a adrenalina tomando seu corpo e o sabor da liberdade formigando em sua língua, com o ar puro que entrava. Livre, estava livre! Não se lembrava de quando fora aprisionada, mas ainda tinha marcas do cativeiro em seus pulsos, as cicatrizes provocadas pelas algemas.

         Foram tantos anos de aprisionamento, de dor e solidão, até as primeiras ajudas. Não entendia o porquê de recebê-las, mas não se libertaria sem elas, foram palavras e carinhos, fé e encorajamento, pouco a pouco o incentivo aumentava e assim crescia a força dela. Finalmente, houve força o suficiente para arrebentar os grilhões e arcar com as consequências de sua rebeldia e foi em meio a esta luta que elas nasceram, rasgando suas costas, grandes asas, como as de uma ave de rapina, que com o incentivo de um grito selvagem a ergueram para os céus e levaram-na para longe do cárcere.

         Estava ofegante só de lembrar, havia um poder intenso tomando seu corpo, enquanto sentia suas unhas tornarem-se garras e sua visão captar cores e detalhes nunca antes percebidos. A risada alta escapou de sua garganta em rodopios ferozes, nada mais poderia detê-la, era uma força da natureza.

         Durante incontável tempo vagou, buscando entender quem ou o que verdadeiramente era. Tentando desvendar os mistérios de sua mente e se livrar de todas as amarras mentais que os anos de aprisionamento a submeteram.

         Achava-se tão sábia, tão esperta, quando na verdade mal sabia coisa alguma.

         Encontrou seres tão fascinantes em sua jornada, tão deslumbrados com suas forças, mas incapazes de notarem suas próprias fraquezas.

         Recebeu amor sem saber retribuir e amou, sem perceber que em sua ânsia por libertação, em verdade entregava-se a outras prisões.

         Durante sua jornada, durante algum tempo tentou ser o completo oposto do que sempre fora. Descobrindo mais tarde que agir de tal forma, era apenas outra maneira de se impedir de ser ela mesma.

         Pensava ser tão poderosa, com suas asas enormes e garras ferinas, que quase esqueceu do valor do toque suave e do prazer de andar com os pés afundados na terra, ao invés de voar.

         Criaturas fascinantes a seduziram, afirmando que ela era especial, diferente de todos os outros, e que isso a tornava superior.

         Inebriada pelos elogios, ignorou os conselhos amorosos e aprendeu pela dor que ninguém era melhor do que o outro, algo que sempre se gabara tanto de saber.

         Fora tão difícil, lidar durante tanto tempo com a violência dos preconceitos, que em seu interior queimou o desejo amargo de devolver na mesma moeda, apenas para em seguida aprender que agir de tal forma, significava machucar-se em primeiro lugar.

         Hoje olhava sua imagem e amava o que enxergava, seus traços, seu poder, sendo capaz de perceber que era apenas ela mesma e isso era lindo.

         Tantos mistérios ainda por decifrar, tantas coisas ainda a explorar, feridas para cuidar e a consciência de que novas seriam abertas neste processo.

         Sorria satisfeita, mais sábia do que antes e ainda tão ingênua, entendendo finalmente que o que sempre a prendera foi o desejo de ser o que jamais foi e em fim querendo explorar as maravilhas de ser o que realmente é.


Fim.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A Mãe.

Deméter de Strenden, imagem localizada no google, editada por mim. Entrar em contato caso haja problemas de crédito ou pelo uso.


         Sentia-se desanimada e vazia, frustrada em seus planos e sem qualquer perspectiva de como ir em frente. Tudo parecia ser em vão. Desanimara dos projetos que mal iniciara e pensava apenas se realmente valeria a pena?

         Decidira sair para olhar o mundo, mas ele lhe parecia desinteressante. Cores pálidas e ruas sujas, repletas de pessoas que aparentavam ser tão vazias e sem propósito quanto ela.

         Parar em um bar soou uma opção tão boa quanto qualquer outra e as pessoas tinham o hábito de dizer que o álcool ajudava a amortecer frustrações.

         Não reparou quando alguém sentou ao seu lado no balcão oleoso, distraída alternando mordiscadas em um torresmo com goles da cerveja que já estava ficando quente. Olhava para a tela da televisão, onde passava um jogo de futebol, sem realmente assistir. Parecia perdida em pensamentos, mas a verdade é que sua mente era um perfeito quadro negro.

         A suave risada no seu lado despertou sua atenção, fazendo com que olhasse de canto. A mulher não combinava com aquele ambiente, mais velha, em torno dos 50 anos, vestia uma calça jeans desbotada, uma blusa de seda verde, de alças, sapatilhas rasteiras com estampa de pele de serpente e acessórios dourados. Seus cabelos castanho escuros estavam presos em um coque frouxo, deixando que alguns fios caíssem, emoldurando o rosto de traços finos e destacando os brilhantes olhos verdes, no mesmo tom da blusa.

         - Esta fazendo um ótimo trabalho em pintar uma imagem digna de pena.

         Sentiu um nó se formar em sua garganta diante das palavras da desconhecida, que a olhava com um sorriso, como o de uma amiga que conhece nossos piores segredos.

         Não conseguia se lembrar de onde a conhecia, embora lhe parecesse extremamente familiar. Era impossível acreditar que esqueceria uma mulher com tamanha presença como aquela, encantadora e transmitindo ser tão segura de si.

         - Não quero a pena de ninguém. – Respondeu, encolhendo-se em cima do banco que ocupava, como se as palavras da outra a ferissem.

         - Não? Pois é o que parece, jogando tudo pro alto e se afundando em auto piedade. – Respondeu tranquilamente a estranha, sinalizando ao bartender que lhe desse uma cerveja.

         - Não pode dizer essas coisas, você nem me conhece! – Afirmou, sentindo-se irritada.

         Porém as palavras soaram falsas em seus próprios ouvidos, sentiu que eram mentiras no momento que as proferiu. Não sabia bem como ou porque, mas sentia que se conheciam havia muito tempo.

         Ela abriu um meio sorriso complacente, ajeitando atrás da orelha uma mecha de cabelo que caia em seu rosto.

         - Quem diria que você se permitiria descer tão fundo? Já nem se lembra de mim? – Balançou a cabeça em negativa. – Me faz pensar se eu realmente deveria ter me dado ao trabalho de vir até aqui?

         - Eu não te pedi nada. – Respondeu seca, buscando esconder como seu coração se apertara de tristeza diante das palavras daquela desconhecida, não queria que ela se afastasse.

         - Oh, sim, você pediu. Talvez não com palavras, estas são mesmo supervalorizadas. Porém em seu coração, você me chamou.

         - Chamei? – Sentia-se confusa com as palavras daquela mulher misteriosa, devia estar louca por prestar atenção nas palavras sem sentido. Entretanto elas não soavam tão sem sentido assim.

         - Chamou. – Confirmou, sorrindo gentilmente, tocando seu rosto em uma caricia gentil e também afastando os fios que caiam sobre seus olhos. – E eu fiquei tão feliz, pois você estava perdida onde não conseguia encontrá-la e agora posso te ajudar.

         - Jura? Vai me dar um emprego ou talvez me dizer qual deveria ser meu objetivo na vida? – Retrucou, arrogante, irritada consigo mesma pela incapacidade de se compreender e jogando toda frustração na desconhecida.

         Porém a mulher não se deixou afetar pelas palavras duras, continuando a tratá-la com ternura. Fazendo-a lembrar do toque carinhoso da própria mãe.

         - Eu não preciso te dizer qual o seu objetivo, você já o tem, sempre o teve. Todos os sonhos que deseja realizar.

         - Sonhos são para crianças. – Respondeu amarga, sentindo lágrimas queimarem o canto de seus olhos e as palavras arranharem sua garganta.

         - Assim falam os que são covardes demais para realizá-los. Você nunca foi covarde. – Afirmou a mulher e ela sentiu-se sufocar ao ouvir outra pessoa lhe dizer isso, subitamente envergonhada da própria fraqueza.

         - Eu não sou covarde, só estou cansada. – Era um argumento fraco, tão fraco, que se sentiu corar de vergonha só de proferi-lo. Já havia repetido isso tantas vezes, para tantas pessoas, começara a acreditar nessas palavras, mas nunca antes sentira tanta vergonha de dizê-las.

         - Cansada? – A mulher falou, como quem repreende uma criança pequena por falar uma bobagem, um sorriso terno em seus lábios. – Você é jovem demais para estar cansada, menina.

         Jovem? Não era o que lhe parecia. Não era o que lhe dizia o mundo ao seu redor, as pessoas com quem convivia, a mídia, tudo indicava que ela já estava bem atrasada.

         Sentiu uma lágrima escorrer de seus olhos e surpreendeu-se ao ser abraçada pela mulher, que a puxou para seu colo. O toque da seda era gentil em sua pele, o calor morno era reconfortante e o cheiro de terra molhada parecia tranquilizá-la.

         - O desejo de toda a mãe é proteger os filhos das dores do mundo, impedi-los de se machucarem. Porém como vocês poderiam crescer se fizéssemos isso? – Enquanto falava, a mulher acariciava os cabelos mal cuidados da outra. – Temos de deixá-los ir e vê-los se machucarem, adquirindo suas próprias cicatrizes pela vida. Isso dói tão mais em nós, do que em vocês, que mal podem imaginar.

         Agora as lágrimas corriam livremente pelo rosto da mulher, ali, no colo daquela que parecia conhece-la tão bem e de quem embora não conseguisse lembrar, sentia tão profundo amor.

         - Dói. – Falou, com a voz embargada pelas lágrimas. – Dói tanto. É tão difícil, por que tem que ser tão difícil?

          Mantendo o tom gentil, a mulher lhe respondeu:

         - Porque viver não é fácil. Crescer envolve dor, a semente precisa se destruir, para que a planta floresça e é necessário cuidarmos com carinho de tudo que cultivamos, para depois de bastante tempo podermos colher os frutos. As vezes algo da errado no meio do caminho e perdemos tudo o que plantamos, porém só nos resta começar novamente e continuar cuidando, apenas assim chegamos a colheita.

         - Não é justo. – Murmurou, sentindo que aquelas palavras a consolavam, embora apenas constatassem que era sua responsabilidade persistir em seus objetivos.

         - Como não? – Perguntou a mulher, novamente no tom que se usa com crianças birrentas. – A natureza é muito justa, dá a todos as mesmas oportunidades e condições, cada um faz delas o que desejar.

         - A humanidade se afastou da natureza. – Tentou contra argumentar, verdadeiramente lamentando o fato. – Nem todos têm as mesmas oportunidades.

         - Isso é uma trágica verdade. – Confirmou a mulher, confortando-a. – Este é mais um motivo para você persistir, não é verdade, criança? Você que teve tanto que outros não tiveram, é um desrespeito a eles desistir!

         Ergueu a cabeça do colo da desconhecida e se encararam sorrindo. Nada parecia muito diferente, porém sentia-se completamente renovada em esperança e determinação.

         - Plante seus sonhos e não deixe de cultivá-los jamais, minha menina, para que cresçam fortes e você possa colher seus frutos! – Disse a mulher, segurando suas mãos entre as dela.

         Um calor gentil pareceu cobrir seu corpo, fazendo com que fechasse os olhos para saborear a sensação.

         Quando tornou a abri-los, estava sozinha no mesmo bar. Na palma de suas mão repousavam alguns farros de trigo, fazendo com que finalmente se lembrasse de onde conhecia aquela misteriosa mulher.


Fim.