Deméter de Strenden, imagem localizada no google, editada por mim. Entrar em contato caso haja problemas de crédito ou pelo uso. |
Decidira sair para olhar o mundo, mas
ele lhe parecia desinteressante. Cores pálidas e ruas sujas, repletas de
pessoas que aparentavam ser tão vazias e sem propósito quanto ela.
Parar em um bar soou uma opção tão boa
quanto qualquer outra e as pessoas tinham o hábito de dizer que o álcool
ajudava a amortecer frustrações.
Não reparou quando alguém sentou ao seu
lado no balcão oleoso, distraída alternando mordiscadas em um torresmo com
goles da cerveja que já estava ficando quente. Olhava para a tela da televisão,
onde passava um jogo de futebol, sem realmente assistir. Parecia perdida em
pensamentos, mas a verdade é que sua mente era um perfeito quadro negro.
A suave risada no seu lado despertou sua
atenção, fazendo com que olhasse de canto. A mulher não combinava com aquele
ambiente, mais velha, em torno dos 50 anos, vestia uma calça jeans desbotada,
uma blusa de seda verde, de alças, sapatilhas rasteiras com estampa de pele de
serpente e acessórios dourados. Seus cabelos castanho escuros estavam presos em
um coque frouxo, deixando que alguns fios caíssem, emoldurando o rosto de traços
finos e destacando os brilhantes olhos verdes, no mesmo tom da blusa.
- Esta fazendo um ótimo trabalho em pintar
uma imagem digna de pena.
Sentiu um nó se formar em sua garganta
diante das palavras da desconhecida, que a olhava com um sorriso, como o de uma
amiga que conhece nossos piores segredos.
Não conseguia se lembrar de onde a
conhecia, embora lhe parecesse extremamente familiar. Era impossível acreditar
que esqueceria uma mulher com tamanha presença como aquela, encantadora e transmitindo
ser tão segura de si.
- Não quero a pena de ninguém. –
Respondeu, encolhendo-se em cima do banco que ocupava, como se as palavras da
outra a ferissem.
- Não? Pois é o que parece, jogando
tudo pro alto e se afundando em auto piedade. – Respondeu tranquilamente a
estranha, sinalizando ao bartender que lhe desse uma cerveja.
- Não pode dizer essas coisas, você nem
me conhece! – Afirmou, sentindo-se irritada.
Porém as palavras soaram falsas em seus
próprios ouvidos, sentiu que eram mentiras no momento que as proferiu. Não
sabia bem como ou porque, mas sentia que se conheciam havia muito tempo.
Ela abriu um meio sorriso complacente,
ajeitando atrás da orelha uma mecha de cabelo que caia em seu rosto.
- Quem diria que você se permitiria
descer tão fundo? Já nem se lembra de mim? – Balançou a cabeça em negativa. –
Me faz pensar se eu realmente deveria ter me dado ao trabalho de vir até aqui?
- Eu não te pedi nada. – Respondeu seca,
buscando esconder como seu coração se apertara de tristeza diante das palavras
daquela desconhecida, não queria que ela se afastasse.
- Oh, sim, você pediu. Talvez não com palavras,
estas são mesmo supervalorizadas. Porém em seu coração, você me chamou.
- Chamei? – Sentia-se confusa com as
palavras daquela mulher misteriosa, devia estar louca por prestar atenção nas
palavras sem sentido. Entretanto elas não soavam tão sem sentido assim.
- Chamou. – Confirmou, sorrindo
gentilmente, tocando seu rosto em uma caricia gentil e também afastando os fios
que caiam sobre seus olhos. – E eu fiquei tão feliz, pois você estava perdida
onde não conseguia encontrá-la e agora posso te ajudar.
- Jura? Vai me dar um emprego ou talvez
me dizer qual deveria ser meu objetivo na vida? – Retrucou, arrogante, irritada
consigo mesma pela incapacidade de se compreender e jogando toda frustração na
desconhecida.
Porém a mulher não se deixou afetar
pelas palavras duras, continuando a tratá-la com ternura. Fazendo-a lembrar do
toque carinhoso da própria mãe.
- Eu não preciso te dizer qual o seu
objetivo, você já o tem, sempre o teve. Todos os sonhos que deseja realizar.
- Sonhos são para crianças. – Respondeu
amarga, sentindo lágrimas queimarem o canto de seus olhos e as palavras
arranharem sua garganta.
- Assim falam os que são covardes
demais para realizá-los. Você nunca foi covarde. – Afirmou a mulher e ela
sentiu-se sufocar ao ouvir outra pessoa lhe dizer isso, subitamente envergonhada
da própria fraqueza.
- Eu não sou covarde, só estou cansada.
– Era um argumento fraco, tão fraco, que se sentiu corar de vergonha só de
proferi-lo. Já havia repetido isso tantas vezes, para tantas pessoas, começara
a acreditar nessas palavras, mas nunca antes sentira tanta vergonha de
dizê-las.
- Cansada? – A mulher falou, como quem
repreende uma criança pequena por falar uma bobagem, um sorriso terno em seus
lábios. – Você é jovem demais para estar cansada, menina.
Jovem? Não era o que lhe parecia. Não
era o que lhe dizia o mundo ao seu redor, as pessoas com quem convivia, a
mídia, tudo indicava que ela já estava bem atrasada.
Sentiu uma lágrima escorrer de seus
olhos e surpreendeu-se ao ser abraçada pela mulher, que a puxou para seu colo.
O toque da seda era gentil em sua pele, o calor morno era reconfortante e o
cheiro de terra molhada parecia tranquilizá-la.
- O desejo de toda a mãe é proteger os
filhos das dores do mundo, impedi-los de se machucarem. Porém como vocês
poderiam crescer se fizéssemos isso? – Enquanto falava, a mulher acariciava os
cabelos mal cuidados da outra. – Temos de deixá-los ir e vê-los se machucarem,
adquirindo suas próprias cicatrizes pela vida. Isso dói tão mais em nós, do que
em vocês, que mal podem imaginar.
Agora as lágrimas corriam livremente
pelo rosto da mulher, ali, no colo daquela que parecia conhece-la tão bem e de
quem embora não conseguisse lembrar, sentia tão profundo amor.
- Dói. – Falou, com a voz embargada
pelas lágrimas. – Dói tanto. É tão difícil, por que tem que ser tão difícil?
Mantendo o tom gentil, a mulher lhe respondeu:
- Porque viver não é fácil. Crescer
envolve dor, a semente precisa se destruir, para que a planta floresça e é
necessário cuidarmos com carinho de tudo que cultivamos, para depois de
bastante tempo podermos colher os frutos. As vezes algo da errado no meio do
caminho e perdemos tudo o que plantamos, porém só nos resta começar novamente e
continuar cuidando, apenas assim chegamos a colheita.
- Não é justo. – Murmurou, sentindo que
aquelas palavras a consolavam, embora apenas constatassem que era sua
responsabilidade persistir em seus objetivos.
- Como não? – Perguntou a mulher,
novamente no tom que se usa com crianças birrentas. – A natureza é muito justa,
dá a todos as mesmas oportunidades e condições, cada um faz delas o que
desejar.
- A humanidade se afastou da natureza. –
Tentou contra argumentar, verdadeiramente lamentando o fato. – Nem todos têm as
mesmas oportunidades.
- Isso é uma trágica verdade. –
Confirmou a mulher, confortando-a. – Este é mais um motivo para você persistir,
não é verdade, criança? Você que teve tanto que outros não tiveram, é um
desrespeito a eles desistir!
Ergueu a cabeça do colo da desconhecida
e se encararam sorrindo. Nada parecia muito diferente, porém sentia-se
completamente renovada em esperança e determinação.
- Plante seus sonhos e não deixe de
cultivá-los jamais, minha menina, para que cresçam fortes e você possa colher
seus frutos! – Disse a mulher, segurando suas mãos entre as dela.
Um calor gentil pareceu cobrir seu
corpo, fazendo com que fechasse os olhos para saborear a sensação.
Quando tornou a abri-los, estava sozinha
no mesmo bar. Na palma de suas mão repousavam alguns farros de trigo, fazendo
com que finalmente se lembrasse de onde conhecia aquela misteriosa mulher.
Fim.
Vou dormir com um trigo na mesa de cabeceira hoje ❤
ResponderExcluirOwn, linda!
ExcluirQue Deméter siga te abençoando com fartas colheitas!!!