quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A Mãe.

Deméter de Strenden, imagem localizada no google, editada por mim. Entrar em contato caso haja problemas de crédito ou pelo uso.


         Sentia-se desanimada e vazia, frustrada em seus planos e sem qualquer perspectiva de como ir em frente. Tudo parecia ser em vão. Desanimara dos projetos que mal iniciara e pensava apenas se realmente valeria a pena?

         Decidira sair para olhar o mundo, mas ele lhe parecia desinteressante. Cores pálidas e ruas sujas, repletas de pessoas que aparentavam ser tão vazias e sem propósito quanto ela.

         Parar em um bar soou uma opção tão boa quanto qualquer outra e as pessoas tinham o hábito de dizer que o álcool ajudava a amortecer frustrações.

         Não reparou quando alguém sentou ao seu lado no balcão oleoso, distraída alternando mordiscadas em um torresmo com goles da cerveja que já estava ficando quente. Olhava para a tela da televisão, onde passava um jogo de futebol, sem realmente assistir. Parecia perdida em pensamentos, mas a verdade é que sua mente era um perfeito quadro negro.

         A suave risada no seu lado despertou sua atenção, fazendo com que olhasse de canto. A mulher não combinava com aquele ambiente, mais velha, em torno dos 50 anos, vestia uma calça jeans desbotada, uma blusa de seda verde, de alças, sapatilhas rasteiras com estampa de pele de serpente e acessórios dourados. Seus cabelos castanho escuros estavam presos em um coque frouxo, deixando que alguns fios caíssem, emoldurando o rosto de traços finos e destacando os brilhantes olhos verdes, no mesmo tom da blusa.

         - Esta fazendo um ótimo trabalho em pintar uma imagem digna de pena.

         Sentiu um nó se formar em sua garganta diante das palavras da desconhecida, que a olhava com um sorriso, como o de uma amiga que conhece nossos piores segredos.

         Não conseguia se lembrar de onde a conhecia, embora lhe parecesse extremamente familiar. Era impossível acreditar que esqueceria uma mulher com tamanha presença como aquela, encantadora e transmitindo ser tão segura de si.

         - Não quero a pena de ninguém. – Respondeu, encolhendo-se em cima do banco que ocupava, como se as palavras da outra a ferissem.

         - Não? Pois é o que parece, jogando tudo pro alto e se afundando em auto piedade. – Respondeu tranquilamente a estranha, sinalizando ao bartender que lhe desse uma cerveja.

         - Não pode dizer essas coisas, você nem me conhece! – Afirmou, sentindo-se irritada.

         Porém as palavras soaram falsas em seus próprios ouvidos, sentiu que eram mentiras no momento que as proferiu. Não sabia bem como ou porque, mas sentia que se conheciam havia muito tempo.

         Ela abriu um meio sorriso complacente, ajeitando atrás da orelha uma mecha de cabelo que caia em seu rosto.

         - Quem diria que você se permitiria descer tão fundo? Já nem se lembra de mim? – Balançou a cabeça em negativa. – Me faz pensar se eu realmente deveria ter me dado ao trabalho de vir até aqui?

         - Eu não te pedi nada. – Respondeu seca, buscando esconder como seu coração se apertara de tristeza diante das palavras daquela desconhecida, não queria que ela se afastasse.

         - Oh, sim, você pediu. Talvez não com palavras, estas são mesmo supervalorizadas. Porém em seu coração, você me chamou.

         - Chamei? – Sentia-se confusa com as palavras daquela mulher misteriosa, devia estar louca por prestar atenção nas palavras sem sentido. Entretanto elas não soavam tão sem sentido assim.

         - Chamou. – Confirmou, sorrindo gentilmente, tocando seu rosto em uma caricia gentil e também afastando os fios que caiam sobre seus olhos. – E eu fiquei tão feliz, pois você estava perdida onde não conseguia encontrá-la e agora posso te ajudar.

         - Jura? Vai me dar um emprego ou talvez me dizer qual deveria ser meu objetivo na vida? – Retrucou, arrogante, irritada consigo mesma pela incapacidade de se compreender e jogando toda frustração na desconhecida.

         Porém a mulher não se deixou afetar pelas palavras duras, continuando a tratá-la com ternura. Fazendo-a lembrar do toque carinhoso da própria mãe.

         - Eu não preciso te dizer qual o seu objetivo, você já o tem, sempre o teve. Todos os sonhos que deseja realizar.

         - Sonhos são para crianças. – Respondeu amarga, sentindo lágrimas queimarem o canto de seus olhos e as palavras arranharem sua garganta.

         - Assim falam os que são covardes demais para realizá-los. Você nunca foi covarde. – Afirmou a mulher e ela sentiu-se sufocar ao ouvir outra pessoa lhe dizer isso, subitamente envergonhada da própria fraqueza.

         - Eu não sou covarde, só estou cansada. – Era um argumento fraco, tão fraco, que se sentiu corar de vergonha só de proferi-lo. Já havia repetido isso tantas vezes, para tantas pessoas, começara a acreditar nessas palavras, mas nunca antes sentira tanta vergonha de dizê-las.

         - Cansada? – A mulher falou, como quem repreende uma criança pequena por falar uma bobagem, um sorriso terno em seus lábios. – Você é jovem demais para estar cansada, menina.

         Jovem? Não era o que lhe parecia. Não era o que lhe dizia o mundo ao seu redor, as pessoas com quem convivia, a mídia, tudo indicava que ela já estava bem atrasada.

         Sentiu uma lágrima escorrer de seus olhos e surpreendeu-se ao ser abraçada pela mulher, que a puxou para seu colo. O toque da seda era gentil em sua pele, o calor morno era reconfortante e o cheiro de terra molhada parecia tranquilizá-la.

         - O desejo de toda a mãe é proteger os filhos das dores do mundo, impedi-los de se machucarem. Porém como vocês poderiam crescer se fizéssemos isso? – Enquanto falava, a mulher acariciava os cabelos mal cuidados da outra. – Temos de deixá-los ir e vê-los se machucarem, adquirindo suas próprias cicatrizes pela vida. Isso dói tão mais em nós, do que em vocês, que mal podem imaginar.

         Agora as lágrimas corriam livremente pelo rosto da mulher, ali, no colo daquela que parecia conhece-la tão bem e de quem embora não conseguisse lembrar, sentia tão profundo amor.

         - Dói. – Falou, com a voz embargada pelas lágrimas. – Dói tanto. É tão difícil, por que tem que ser tão difícil?

          Mantendo o tom gentil, a mulher lhe respondeu:

         - Porque viver não é fácil. Crescer envolve dor, a semente precisa se destruir, para que a planta floresça e é necessário cuidarmos com carinho de tudo que cultivamos, para depois de bastante tempo podermos colher os frutos. As vezes algo da errado no meio do caminho e perdemos tudo o que plantamos, porém só nos resta começar novamente e continuar cuidando, apenas assim chegamos a colheita.

         - Não é justo. – Murmurou, sentindo que aquelas palavras a consolavam, embora apenas constatassem que era sua responsabilidade persistir em seus objetivos.

         - Como não? – Perguntou a mulher, novamente no tom que se usa com crianças birrentas. – A natureza é muito justa, dá a todos as mesmas oportunidades e condições, cada um faz delas o que desejar.

         - A humanidade se afastou da natureza. – Tentou contra argumentar, verdadeiramente lamentando o fato. – Nem todos têm as mesmas oportunidades.

         - Isso é uma trágica verdade. – Confirmou a mulher, confortando-a. – Este é mais um motivo para você persistir, não é verdade, criança? Você que teve tanto que outros não tiveram, é um desrespeito a eles desistir!

         Ergueu a cabeça do colo da desconhecida e se encararam sorrindo. Nada parecia muito diferente, porém sentia-se completamente renovada em esperança e determinação.

         - Plante seus sonhos e não deixe de cultivá-los jamais, minha menina, para que cresçam fortes e você possa colher seus frutos! – Disse a mulher, segurando suas mãos entre as dela.

         Um calor gentil pareceu cobrir seu corpo, fazendo com que fechasse os olhos para saborear a sensação.

         Quando tornou a abri-los, estava sozinha no mesmo bar. Na palma de suas mão repousavam alguns farros de trigo, fazendo com que finalmente se lembrasse de onde conhecia aquela misteriosa mulher.


Fim.

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