quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

O Sequestro da Harpa Dourada.

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         Longas extensões de terras secas e subtilizadas, repletas de ervas daninhas e plantas agonizando. A elegante casa principal demonstrava ter vivido dias de luxo e glamour, mas agora restava suja e necessitando de diversos reparos.

         A mesa uma senhora já idosa, com gastas roupas desbotadas, que um dia foram elegantes e um homem com roupas em igual estado, ambos compartilham expressões amarguradas. O jantar é apenas uma ave magra assada, sem qualquer acompanhamento.

         Meu mestre sempre foi tão generoso e disposto a compartilhar o que tinha, se tivesse ouvido meus alertas talvez o final dessa história fosse mais feliz.

         A primeira vez que o menino invadiu o castelo, ele dormia, relaxado pelo som de minhas cordas, após o almoço.

         Era um garoto pequeno e magricela, com cabelos cor de palha muito sujos e roupas esfarrapadas. Seus olhos azuis bem abertos com espanto, enquanto olhava maravilhado para as riquezas de meu mestre.

         Quando me olhou diretamente, notei que seus olhos brilhavam com cobiça, fazendo com que um arrepio gelasse meu corpo metálico.

         A gansa do outro lado da sala grasnou, fazendo com que ele desviasse o olhar e decidi por ignorar a sensação.

         O recebemos como as normas de hospitalidade determinam, do modo como meu mestre sempre nos ordenava. Oferecemos ao garoto comida quente e um lugar para repousar.

         Porém foi uma visita curta, o tamanho de meu mestre, mesmo estando adormecido, intimidara o pequeno garoto humano. Embora sua fome o fizesse aceitar a comida oferecida.

         Quando satisfeito, o assistimos recolher o máximo de comida que podia carregar e partir, descendo pela estranha árvore, cujo a copa rompera o macio chão de nosso jardim, destruindo parte da horta de meu mestre.

         Na segunda visita do garoto, o mestre estava acordado e gargalhou ao perceber o tamanho de quem quase limpara o banquete em sua mesa, na semana anterior.

         A gansa grasnava alto, produzindo seus ovos preciosos, causando tanto barulho, que optei por permanecer em silêncio.

         Pela segunda vez, vislumbrei o brilho de ganância cega nos olhos do rapaz e temi a ausência de perspectiva daquele sentimento.

         Porém meu mestre pareceu alheio a isso, convidando-o novamente a sua mesa.

         Enquanto comiam em conjunto, ouviu fascinado as histórias sobre a mãe do rapaz, sua fazenda improdutiva e da vaca, que já não dava mais leite, que trocara com um viajante por três feijões.

         Após a refeição, meu mestre se recostou para dormir, dizendo que o rapaz ficasse a vontade, pois era bem-vindo em seu lar.

         Bastou que adormecesse, para ele tirar das vestes um enorme saco e começar a recolher os tesouros que enchiam o salão.

         Pedi que não o fizesse, que respeitasse o anfitrião que lhe recebera tão bem, garantindo que meu mestre teria prazer em compartilhar sua prosperidade, se agisse da maneira correta. Tudo em vão, o rapaz me ignorava, recolhendo os ovos dourados recém-postos pela gansa, que grasnava frustrada diante do ataque.

         Quando despertou, meu mestre logo notou que seu salão havia esvaziado, com uma decepção contida no olhar, demonstrando lamentar a atitude do garoto, mas não sofrer tanto por ela.

         - Temos fartura aqui. – Falou, com sua voz grave ecoando nas paredes de pedra. – Há mais alimentos e riquezas o que poderíamos necessitar e continuamos a produzir cada vez mais. - Concluiu, piscando um olho, enquanto acariciava as penas macias da gansa.

         - A ambição do rapaz não tem perspectiva, mestre! – Alertei, com a sensação de insegurança voltando a me apertar as entranhas. – Ele deseja mais do que o suficiente e vai querer cada vez mais!

         Porém meu mestre ignorou meus avisos, confiantes de que não tínhamos com o que nos preocupar.

         Três meses se passaram até que ele retornasse, desta vez vestindo roupas novas, bem costuradas, limpo e com uma espada embainhada na cintura.

         Se esgueirou pela noite, conseguindo invadir o castelo sem ser visto e capturou a gansa, enfiando-a em um saco de couro.

         Acordei sentindo uma mão se fechar em torno de meu corpo e me arrancar de meu pedestal. Apavorada, gritei:

         - Socorro, estão me roubando! – Com minhas cordas entoando notas estridentes.

         O barulho acordou meu mestre, que despertou confuso e ficou estagnado por alguns instantes, absorvendo os acontecimentos que se desdobravam a sua frente.

         Aproveitando-se deste momento, o garoto jogou o saco com a gansa por sobre o ombro e me segurou com força, impedindo qualquer reação.

         Com um urro de fúria, o mestre começou a persegui-lo, fazendo com que seus passos pesados reverberassem no piso, soando como trovões.

         O garoto já conseguira se afastar e quando meu mestre chegou ao portão do castelo, ele já descia pelo pé de feijão.

         A gansa e eu gritávamos e chorávamos, pedia que nos deixa-se ir, mas era tudo em vão.

         Os brados de fúria de meu mestre faziam escurecer o céu e tremer toda a realidade.

         Quando o garoto chegou a terra, um grupo de homens o esperava e começaram a cerrar a árvore, ignorando nossas súplicas por piedade.

         Com os olhos embaçados de lagrimas, assisti a árvore tombar, esmagando meu mestre que tentava se segurar nos ramos. Enquanto o sequestrador e seus cumplices celebravam a morte do que chamavam de monstro.

         Daquele dia em diante fui incapaz de entoar qualquer canção que não fosse lamúrias e a gansa jamais voltou a por um ovo dourado.

         A fortuna roubada de nosso mestre se desfez nos caprichos de nossos cruéis captores, que nos maltratavam exigindo que produzíssemos riquezas e alegrias, que já não conseguíamos mais.


Fim.

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