Imagem localizada no google e editada por mim. Caso haja problemas de Direitos Autorais ou uso, favor entrar em contato. |
A Vila da Lua Vermelha era famosa em todos os Sete Reinos por ter conseguido o impossível: Paz entre humanos e vampiros. Diferente dos outros reinos, na pequena vila firmara-se um acordo, chamado Aliança: A cada ciclo lunar, 13 jovens seriam entregues ao clã vampírico para que os alimentassem, devendo retornar no ciclo seguinte, quando um novo grupo os substituiria. Em troca, o clã protegeria os humanos de qualquer ameaça, inclusive de outros monstros.
Durante
séculos a Vila gozou de paz e abundância até que começaram a se espalhar boatos
de assassinatos. Segundo as histórias, três corpos já tinham sido encontrados
em becos, com os troncos dilacerados como se houvessem sido rasgado com garras.
Não se podia afirmar se os vampiros do clã
cansaram das porções de alimento controlada ou se algum monstro conseguira
ultrapassar suas defesas, porém, tudo indicava que os tempos de paz em Lua
Vermelha estavam chegando ao fim.
A
moto negra cortava a irregular estrada de terra, com o ronco de seu motor,
quebrando a harmonia silenciosa da floresta.
Sentindo
seu corpo vibrar sobre o veículo, a motociclista, toda vestida em couro preto,
acelerava ansiosa para chegar ao seu destino.
Na
entrada na vila nenhum dos guardas de armadura escura a pediu para parar, pois
o selo da lua rubra com um crescente dourado, que brilhava de forma bruxuleante
na luz do fim de tarde, indicava que alguém de alto escalão a chamara.
Reduzindo a velocidade após cruzar os
grandes portões de ferro, cruzou as ruas estreitas, ladeadas por casas de
pedra, de aparência simples e confortável, subindo até atingir a praça central
da Vila. À esquerda havia uma imensa mansão de paredes púrpuras escuras,
protegida por altas grades negras. À direita, um templo dedicado a Mãe Lua,
Deusa guardiã da vila e em frente, um imenso prédio horizontal de 04 andares,
com grandes janelas, onde trabalhavam o Conselho Administrador e seus
funcionários. Parou em frente à fonte, no centro da praça, estacionando a moto
ali.
Tirou o capacete permitindo que os fios
cinzas, quase prateados, de seus cabelos cacheados serpenteassem até o final de
suas costas. Espreguiçou- se, sentindo suas juntas estalarem de modo agravável,
após o corpo permanecer horas na mesma posição.
Sua audição aguçada permitia ouvir os
comentários dos moradores da vila que a observavam com os cantos dos olhos.
Sabia que seus cabelos chamavam a atenção, mas os olhos dourados é que não
deixavam dúvida sobre o que era.
Não olhou diretamente para ninguém na caminhada
para o prédio da administração. Apresentou a carta que recebera e foi conduzida
até o último andar. Onde Pediram que aguardasse numa sala de espera ricamente
decorada.
Menos de cinco minutos depois, uma jovem
de rosto redondo, com jeito sonhador e sorriso simpático, pediu que entrasse,
pois o secretário de segurança a aguardava.
A sala era grande, com um sofá de
aparência gasta, mas confortável, em um canto. Onde um adolescente estava deitado
de modo despojado. Estantes repletas de livro e uma grande mesa de madeira
escura, em frente a um mapa de toda a Vila.
Sentado atrás da mesa, um senhor magro e
calvo com astutos olhos escuros, se levantou estendendo a mão para
cumprimentá-la.
- Senhorita Napelo presumo? – Falou, sua
voz rouca e envelhecida, como se tivesse um punhado de cinzas na boca.
A mulher estendeu a mão, retribuindo o
cumprimento enquanto farejava discretamente o ar. O homem era inegavelmente
humano porém, mesmo em uma sala tomada pelo cheiro de papel velho, poeira,
whisky barato e suor, notou que o garoto no sofá não era, sentindo seu corpo
tencionar e evitando deixar transparecer.
- Pode me chamar de Amaryllis. –
Respondeu, esforçando-se em parecer agradável, enquanto dava um meio sorriso
que não atingia seus olhos.
Ouviram o garoto no sofá soltar uma baixa
risada debochada, fazendo com que a mulher o olhasse de canto de olho, enquanto
o senhor pareceu ficar desconfortável.
- Sou o secretário de segurança de Vila
Vermelha, Alberto Souza, espero não tê-la constrangido.
Ela apenas balançou a cabeça em negativa,
expandindo o sorriso e fechando os olhos, no que esperava ser uma aparência
amigável.
- O senhor não cometeu erro algum, apenas
minha mãe tinha um péssimo senso de humor.
O garoto no sofá riu mais alto, fazendo
com que a mulher o olha-se diretamente, com uma mistura de raiva contida e
curiosidade. Porém, logo voltou sua atenção ao secretário, quando este
pigarreou e a convidandou a se sentar indicando uma das cadeiras de madeira em
frente à mesa.
- Bem, bem, Senhorita Amaryllis, acredito
que tenha ouvido falar dos trágicos
assassinatos que ocorreram em nossa vila. – O homem falou sem desviar o olhar
dela por nenhum instante. Que apenas confirmou, com a cabeça, assumindo uma
expressão totalmente séria. – Faz séculos que nada do tipo ocorre por aqui! Lua
Vermelha é tão segura, que até nossas taxas de roubos são mínimas. O clã Lune
Rouge sempre nos protegeu. – Afirmou, desviando rapidamente o olhar para o
sofá. – Portanto a senhorita há de compreender o porquê de recorrermos a
ajuda... Especializada, neste caso.
Amaryllis riu pela escolha de palavras do
secretário.
- Vilas, cidades e até reinos
frequentemente buscam o tipo de ajuda “especializada” em casos como este. –
Repetiu o termo, fazendo questão de gesticular aspas com os dedos. – A questão
é por que escolheram a mim?
O senhor chegou a abrir a boca para
responder, porém foi interrompido pelo garoto que levantou-se do sofá, batendo os pés no chão de modo ruidoso,
chamando atenção para si.
- Esta foi uma exigência nossa, senhorita
Napelo. – Falou, deixando deslizar cada sílaba do sobrenome dela, como se
tivesse um sabor doce em sua língua. - Gustavo, do Clã Lune Rouge, é um prazer
finalmente conhecê-la. – Concluiu em um tom animado, que deixava sua voz de
tenor quase infantil, enquanto fazia uma reverência.
Finalmente, Amaryllis se permitiu olhar
diretamente para o garoto. Era pequeno e magro, com traços quase infantis, os
cabelos ruivo alaranjados eram um pouco compridos e formavam cachos que
emolduravam o rosto, dando-lhe um ar angelical, sua pele era extremamente
pálida, os lábios muito rosa e cheios pareciam não combinar com o resto das
feições delicadas, ao mesmo tempo que reforçavam a aparência de fragilidade
quase feminina. A única coisa que o denunciava era o intenso brilho sobrenatural
dos olhos muito azuis.
- O
acordo entre a vila e o clã é famoso em todos os reinos, quando foi levantada a
necessidade de chamarmos um especialista,
eles exigiram que fosse a senhorita. – O secretário de segurança explicou, em
um tom que deixava entrever alguma insatisfação com a escolha.
-
Podemos dizer que as suas características
únicas nos fazem crer que seria menos radical que outros exterminadores. –
O jovem vampiro falou de modo animado, com um enorme sorriso, ainda que usando
o efetivo nome de sua profissão.
Diante
das palavras, a mulher se permitiu abrir um meio sorriso debochado, deixando um
pequeno brilho feroz transparecer em seus olhos dourados por trás da máscara de
simpatia que até então usara.
-
Poderão constatar terem cometido um engano quando já for tarde demais... –
Falou, incapaz de conter as palavras.
-
Não, acho que definitivamente chamamos a pessoa certa. – O jovem vampiro
retrucou, de modo tão alegre e satisfeito que era quase desconcertante.
Dando
um novo pigarro, o secretário de segurança chamou atenção de volta para si.
-
Pois bem, senhorita Amaryllis, por favor, faça o seu trabalho e descubra quem
ou o que esta assassinando nossos cidadãos. O senhor Gustavo a acompanhara e
será o seu guia, durante sua estadia na cidade.
“O que?!”, gritou em sua mente, enquanto
encarava o vampiro de aparência adolescente que lhe exibia um largo sorriso.
-
Eu agradeço, mas, realmente, prefiro trabalhar sozinha. – Tentou argumentar.
-
Infelizmente, creio que isto não será possível senhorita.
Não podemos permitir que pessoas de fora tenham livre acesso aos documentos sobre
nossa vila e população, ainda mais... –
Interrompeu a fala, percebendo que quase
falara algo indevido.
Porém
a exterminadora conseguiu ouvir perfeitamente o “alguém do seu tipo” no silêncio do secretário.
-
Oras, vamos, Amaryllis, tenho certeza de que iremos nos divertir muito! –
Gustavo falou, ainda com o sorriso como o do gato de Cheshire, que deixava a
mulher tão desconfortável.
-
Se não há outra maneira. – Concluiu, percebendo que por mais benéfico que
pudesse ser o trabalho para sua carreira, ele seria mais difícil do que
previra.
Saindo da sala do secretário, Amaryllis
se espreguiçou, sentindo novamente suas juntas estalarem. Estava exausta, mas
não tinha tempo a perder.
- Muito bem, me mostre onde fica o
necrotério. – Falou, perdendo qualquer traço da simpatia que fingira até então.
Parecendo não ser afetado pela falta de
modos da exterminadora, o vampiro apenas abriu um novo sorriso.
- O que? Você quer ir lá agora? Sério? –
Se conheceram há menos de quinze minutos e a mulher já sentia vontade de
agredi-lo cada vez que abria a boca. – Quero dizer, você viajou quantas horas
para chegar aqui? Deve estar exausta, né?
Suspirando, Amaryllis passou uma das mãos
pelo cabelo, tirando os fios que caiam em seu rosto, antes de olhar diretamente
para o vampiro, dando um sorriso feroz, que sabia deixar a mostra seus caninos
afiados.
- Yeah, tem razão, eu estou exausta. Mas
quanto mais rápido eu resolver esse caso, mais rápido posso ir embora dessa
vila cheia de sanguessugas e hipócritas e mais rápido me livro de você! –
Concluiu, abrindo ainda mais seu sorriso.
Era isso, agora toda aquela fachada de
garoto bonzinho cairia por terra e ele demonstraria o que realmente pensava
dela, deixando-a livre para parar de fingir ser uma moça educada e legal.
Porém, para sua surpresa, Gustavo apenas
gargalhou alto, fechando os olhos e expandindo ainda mais, se fosse possível, o
sorriso idiota.
- Como eu disse, Napelo, iremos nos
divertir juntos.
Fechou as mãos em punhos, bem apertado,
chegando a sentir a ponta das unhas afiadas rasgarem sua pele, e falou entre dentes:
- O meu maldito nome é Amaryllis.
- Sua mãe realmente não pegou leve com
você, não é, Belladonna? – O vampiro gargalhou novamente, ouvindo-a rosnar. –
Vamos, o necrotério fica por aqui. – Concluiu com tranquilidade, apontando o
caminho por onde seguiu sem olhar para trás.
Respirou fundo três vezes, tentando
recuperar a calma antes de segui-lo e pensando que devia ter cobrado mais caro.
No lado oposto à sala do secretário, no
segundo andar do prédio, ficava o pequeno necrotério da vila, parte do posto
médico que ocupava toda a área direita dos dois primeiros andares do prédio da
administração.
O ambiente era tão branco que chegava a
fazer os olhos doerem, mesmo sob a luz fraca dos lampiões a gás.
Franzindo o nariz para o cheiro forte de
produtos de limpeza e carne em decomposição, a exterminadora se aproximou da
mesa onde uma médica lia informações em uma prancheta com atenção. Batendo as
unhas no tampo de ferro para se fazer notar, falou:
- Boa noite. Fui chamada para investigar
os casos de assassinato. Gostaria de ver os corpos das vítimas, por favor? –
Falou com suavidade, sustentando um pequeno sorriso amigável, que fazia suas
bochechas doerem.
A médica demorou alguns instantes, o
suficiente para fazer Amaryllis se sentir ridícula, antes de erguer os olhos da
prancheta e olhá-la de cima a baixo, parecendo entediada.
- Então, realmente, a chamaram? – A
mulher falou, torcendo a boca em desagrado. – Como se já não tivéssemos
problemas o bastante... O que uma abominação como você pode fazer?
Era isso, havia apenas um tanto que uma
pessoa podia aguentar em um único dia. Sentindo como se um fio se partisse em
seu interior, Amaryllis deixou que suas unhas se tornassem garras, antes de,
com um rosnar, segurar a médica pelo pescoço e prensá-la contra a divisória de
vidro que separava a área da recepção do necrotério, do laboratório.
- Para começar, eu posso arrancar sua
cabeça antes que o nosso amigo dentuço ali consiga me impedir. – Sua voz soava
como rosnados e ela não estava orgulhosa de si mesma, mas o olhar de medo da
médica fez com que uma sensação prazerosa se desenrolasse em seu interior, como
um gato se espreguiçando.
Por
um instante, ela olhou para o vampiro que a acompanhara e notou, surpreendida,
que ele apenas assistia a cena com um pequeno sorriso, parecendo se divertir
com toda a situação. Fazendo uma nota mental de retornar a aquela atitude mais
tarde, voltou-se para a médica.
-
Agora, eu tive um dia extremamente longo, onde estão os corpos?
Tendo dificuldade em respirar, a médica
apenas murmurou o número das gavetas, apontando para a porta de acesso ao
laboratório.
- Muito obrigada. – Agradeceu a
exterminadora, voltando ao sorriso gentil e voz agradável de antes, que
pareceram deixar a médica ainda mais assustada.
Estava abrindo a gaveta do primeiro
corpo, quando ouviu os passos de Gustavo se aproximando. Ele deu um assovio,
antes de falar:
- Quem diria que era preciso tão pouco
para te tirar do sério, hein?
Passados os efeitos da raiva, sentiu-se
corar diante do comentário, a vergonha formando um bolo amargo em sua garganta.
- Não é. – Se viu explicando, antes que
pudesse pensar. – Normalmente eu ignoraria ela e faria meu trabalho, sem me
importar com a opinião dos outros, mas estou tão cansada e... – Interrompeu sua
fala, sentindo uma nova onda de raiva e puxando, com força, o lençol que cobria
o corpo. – Por que eu estou me justificando para você? - Perguntou de forma
amarga, voltando-se para a vítima.
O vampiro apenas riu.
- Não é culpa sua, é que eu tenho essa
habilidade, sabe? Eu consigo perceber como as pessoas estão se sentindo e me
conecto com as emoções delas. Elas ficam confortáveis e acabam se abrindo
comigo.
- Não use seus poderes de sanguessuga em
mim! – Rosnou a exterminadora, enquanto analisava o corpo.
Não era uma cena bonita, mesmo tendo sido
limpo, a brutalidade dos rasgos era notória, pelo quanto a pele havia sido
dilacerada, não fora um corte limpo e pelo estado dos órgãos internos, o
assassino não se preocupara em atingir algo específico, apenas cortando e
puxando tudo em seu caminho. Também não havia qualquer marca de presas que
pudesse identificar.
- Não foram vampiros que fizeram isso.
- Ding, ding, ding! – Gustavo imitou um
sino, como quando alguém acertava um prêmio em uma barraca de quermesse. – Ela
acertou de primeira!
A mulher franziu o cenho, irritada com o
deboche.
- Se vocês sabem disso, porque afinal eu
estou aqui? – Havia poucas coisas que ela odiava... Mentira, na verdade tinham
muitas coisas que ela odiava, mas uma das principais era ser feita de palhaça.
- Oh, claro! Se os membros do único clã
vampírico na cidade dizem que não foram vampiros que cometeram os assassinatos,
as pessoas que são contra a Aliança definitivamente vão acreditar e não tentar
usar isso como argumento para iniciar uma guerra. Eu pensava que você era
inteligente...
Amaryllis pensou em se irritar com o tom
sarcástico, mas as palavras dele chamaram sua atenção.
- Espera, então há pessoas em Lua
Vermelha que são contra a Aliança?
- Ela não erra uma, minha gente!
- Pare de debochar! – Rosnou. – Estou
falando sério, não se ouve falar disso em nenhum lugar dos reinos. Todos pensam
que Lua Vermelha é uma terra encantada, onde humanos e vampiros convivem em
harmonia, fazendo orgias e afins.
- Quem me dera, faz séculos que não
participo de uma boa orgia. – O vampiro retrucou, com um sorriso malicioso.
- Você tem o que, 13 ou 14 anos? – A
mulher perguntou sentindo-se enojada.
- Uhum... Faz uns três séculos que tenho
14 anos. – Respondeu com tranquilidade, olhando-a diretamente.
Sentiu-se arrepiar ao ver o brilho no
olhar dele se intensificar, fazendo com que sentisse como a mera presença
daquele garotinho a oprimia. Finalmente dando-se conta de que, independente da
aparência, o ser na sua frente devia ser muito mais poderoso do que ela.
- Você... Você podia ter me impedido
facilmente de atacar a legista...
- Uhum. – Ele apenas murmurou, o sorriso
em seu rosto não mais alegre e infantil, mas totalmente predatório.
- Então, por que você não...?
- Por que eu deveria? Ela foi
extremamente rude. Além do mais, eu queria ver até onde você iria, às vezes
gosto de assistir.
-
Arght, você é repulsivo! – Exclamou, sentindo-se extremamente incomodada por
alguém com a aparência de uma criança conseguir deixá-la tão desconfortável.
Gustavo
apenas gargalhou, voltando a mesma atitude de antes, como se nada houvesse
acontecido.
- E
o que mais, além do óbvio, a grande exterminadora descobriu?
-
Os cortes foram feitos por lâminas e não por garras. – Disse, sorrindo
satisfeita ao vê-lo arregalar os olhos em surpresa. – O que? O olfato dos
vampiros não é bom o suficiente para identificar que há muito mais ferro no
corpo dele que o normal? – Tornou a jogar o cabelo para trás, sentindo que as
coisas voltavam à normalidade, com ela fazendo um excelente trabalho e os
idiotas chocados com o quão boa ela era. – Além disso, pela forma como a pele
foi rasgada, o atacante não era tão forte. Definitivamente, o assassino é
humano.
Em
um piscar de olhos, o vampiro atravessou o espaço que os separava e a segurou
firme pelos braços.
-
Você pode afirmar isso com toda a certeza?! – Tamanha era a excitação, que ele
chegava a ofegar, embora não precisasse efetivamente de ar.
-
Bem, é o lógico a se pensar, porque claramente foi feito com a intensão de que
parecesse obra de um monstro, mas por alguém que não tem a força de um. Então,
a menos que seja um monstro se passando por um humano, que tenta se passar por
um monstro... É de 99% a chance de ser um humano. – Ela falou, tão surpreendida
pelas atitudes do vampiro, que mal sabia como reagir.
-
Oh, Amaryllis, você sabe o que isso significa?! Se foi um humano, o clã não
tinha como impedi-lo, pois a Aliança só nos obriga a proteger a vila de outros
seres sobrenaturais!
Nunca
vira um vampiro tão feliz em constatar que não teria que matar humanos, mas ou
Gustavo era um excelente ator ou a noticia realmente o alegrara.
-
Certo, agora temos que descobrir a identidade dessa pessoa.
-
Oh... – Gustavo voltou a seu jeito normal de agir, finalmente soltando-a. –
Bem, você não pode farejá-lo?
Uma
pequena frase e qualquer simpatia sentida pelo vampiro nos trinta segundos
anteriores, acabava de ir pelo ralo.
-
Não, eu não posso “farejá-lo”, porque eu não sou um maldito cachorro! – O
vampiro apenas ergueu uma das sobrancelhas, em deboche. – Além disso, usaram
tantos produtos químicos que eliminaram qualquer possível cheiro que o
assassino tivesse deixado. - Concluiu desviando o olhar, insatisfeita em reconhecer
que, se não fosse por isso, poderia seguir a pista do assassino, como um
maldito cão.
O
vampiro ficou em silêncio por alguns instantes, como se refletisse, antes de
voltar a falar:
-
Certo, então amanhã nós iremos até o setor de evidências e pedimos para ver as
roupas das vítimas, elas podem conter o cheiro do assassino, não?
Amaryllis
olhou para o ruivo, surpreendida que não tivesse pensado nisso por conta
própria.
-
Certo. – Respondeu, incrédula de que o caso poderia se resolver de maneira tão
fácil.
Saindo
do necrotério, sendo seguida por sua nova sombra ruiva, de um metro e sessenta,
não pode deixar de perguntar.
-
As vítimas tinham algo em comum?
-
Hum, não muito... A primeira garota era filha de um ferreiro, da parte mais
baixa da vila, o rapaz tinha acabado de entrar para a ordem sacerdotal da Mãe
Lua e a segunda era filha do cobrador de impostos. A única coisa que os unia é
terem sido ofertas há 39 luas.
Dessa
vez foi a mulher que parou, segurando o vampiro pelos ombros.
-
Todas as vítimas fizeram parte do mesmo grupo enviado para alimentar vocês três
anos atrás?! – Gustavo acenou a cabeça afirmativamente, sem entender onde ela
queria chegar. – Por acaso você não considera essa uma informação relevante?! O
assassino pode estar indo atrás de todos os jovens que serviram naquele ciclo
lunar!
-
Em pensar que eu duvidei da sua genialidade...não me diga?! – Provocou o
vampiro, fazendo pouco caso, enquanto empurrava as mãos que o seguravam.
-
Alguma providência foi tomada para a segurança dos outros? – Perguntou,
voltando a perder a paciência com os deboches.
-
Óbvio que sim! Desde a terceira morte, um membro do clã esta montando guarda na
casa de cada um dos nove restantes.
Sentiu-se
tranquilizar por um instante. Se estava certa sobre o assassino ser humano e se
as vitimas eram realmente os jovens enviados naquele ciclo lunar, a presença
dos vampiros o intimidaria de continuar. Sentindo-se aliviada, repetiu as
palavras de Gustavo em sua mente, tendo um estalo.
-
Nove restantes?
-
Sim. – confirmou parecendo chateado com o fato. – O décimo membro do grupo,
Elisa, morreu 13 luas atrás, devido a uma doença degenerativa. O pobre Alberto
ficou arrasado.
Amaryllis
pensou na triste figura do secretario de segurança e sentiu dó de sua perda.
Ele podia ser um babaca preconceituoso, mas ao menos tentara esconder isso, o
que o tornava digno de um pouco de sua compaixão.
-
Amanhã vamos verificar as roupas das vítimas. – Falou, optando por cortar o
assunto.
-
Sem problemas, nos vemos aqui no fim da tarde. – Confirmou Gustavo, antes de
virar as costa acenando.
A
exterminadora grunhiu, constatando mais um problema que uma babá vampiro lhe
traria. O secretário dissera que não poderia ter acesso aos documentos e
evidências sem o vampiro. O que significava uma manhã inútil.
Suspirou,
voltando à sua moto, disposta a encontrar uma hospedagem.
Conforme
previra, a manhã seguinte foi quase inútil. Entrevistara as famílias e pessoas
próximas às vítimas, apenas para constatar o que já imaginava: Nada as ligava,
além de terem pertencido ao mesmo grupo de oferendas.
Enquanto
andava pela vila, ouvindo os cochichos das pessoas que achavam estar
apontando-a discretamente, sentiu como se seu corpo inteiro pinicasse com a
vontade de ir embora do local.
Durante
toda sua vida foi assim, ser uma “abominação”, como a médica legista a chamara,
uma mestiça. Metade humana, metade licantropa. Significava não pertencer a
lugar algum. Seu cheiro a denunciava a qualquer matilha, seus olhos, cabelo e
tamanho a tornavam um ponto de referencia em qualquer vila ou cidade humana.
Porém
não podia reclamar, tinha sido escolhida para investigar os assassinatos,
porque o clã Lune Rouge apostou em seu sangue sobrenatural, para que
investigasse primeiro e atirasse depois. Agora era fazer tudo direitinho e
previa belos trabalhos em seu futuro, do tipo que pagam bem.
Deixaria
de ser, Amaryllis Napole, aberração mestiça, para se tornar a melhor
exterminadora dos Sete Reinos.
Se
ao menos a miniatura de vampiro que colocaram para vigiá-la chegasse logo...
-
Boa noite, Atropa! – Ela rosnou ao ouvir a nova piadinha com seu nome. – Me
esperando há muito tempo?
Respirou
fundo, estava tudo bem, havia conseguido dormir na noite anterior, portanto não
se deixaria afetar tão facilmente.
-
Mais do que o necessário, vamos logo com isso! – Falou, virando-se para entrar
no posto da guarda da cidade.
Dessa
vez, conseguiram acesso as peças sem problema e entre o cheiro de sangue seco e
ferro nas roupas destruídas, ela identificou o cheiro do assassino.
Saindo
do posto de segurança, a discussão ainda corria.
-
Você tem certeza disso? – Gustavo perguntou, pela terceira vez.
-
Você confirma tudo que disse lá dentro? – Perguntou de volta, recebendo um
aceno de confirmação. – Então basta nos prepararmos.
Para
o descontentamento geral dos cidadãos de Lua Vermelha, o clã determinou que,
tendo em vista não terem ocorrido novos assassinatos há três dias, a rotina de
patrulhamento voltaria ao normal.
A
noite avançava, junto com a lua quase cheia que se erguia já no meio do céu. Na
noite seguinte ocorreria a troca de tributos e todos aguardavam ansiosos, pois
se os assassinatos não fossem desvendados, o grupo anti-Aliança ganharia força
e podia ser o fim da paz na vila.
Ele
sentia as mãos suarem com o peso das garras de metal, tentando se mover
sorrateiramente por entre as casas. Esta era sua noite, apenas mais uma vítima
e os malditos monstros seriam banidos da vila, o acordo desfeito e finalmente
estariam livres de servirem suas crianças para seres das trevas.
Arrombou
a fechadura da porta traseira da residência e seguiu para o quarto do jovem.
Desta vez não conseguiria emboscar sua vítima na rua, mas isso apenas serviria
para deixar os cidadãos mais aterrorizados, descobrindo-se inseguros dentro de
suas próprias casas.
Entrou
no quarto, tentando silenciar sua respiração ofegante. O coração sempre
acelerava momentos antes do ato e ele repetia para si mesmo que apenas cumpria um
dever, que não havia prazer em seus atos. Mentia.
Vendo
a forma magra do jovem sobre a cama, dormindo indefeso, recitou aos sussurros,
como uma oração:
-
Uma última vez, por você, minha menininha. – Antes de erguer a mão com as
garras.
Jamais
chegou a descê-la, sentindo um punho de ferro se fechar sobre seu pulso e puxar
seu braço para trás, deslocando seu ombro.
-
Eu poderia matá-lo, mas então Lua Vermelha realmente teria um assassinato
realizado por um ser sobrenatural, não é? – A voz era quase um rosnado e cortou
toda a dor que o homem sentia como lâminas frias, enchendo-o de pavor.
Em
um canto escuro do quarto, um lampião foi aceso, deixando clara a face de
Gustavo, que tinha um sorriso feroz, parecendo rasgar suas bochechas, os olhos
brilhando como os de uma serpente.
-
Eu respeitei sua dor. – Sua voz era fria, séria, sem nenhum traço de
infantilidade. – Respeitei sua perda, busquei entender seus sentimentos e essa
é a paga que me dá? Assassina os seus e ameaça a paz da minha família!
Tamanho
era o pavor do homem, que seu corpo tremia, sentiu a urina ensopar suas calças
enquanto lágrimas corriam por seu rosto. Em sua frente a forma implacável do
vampiro, o assombrava mesmo sem deixar as presas a mostra e atrás de si a força
terrível da mestiça, com os olhos dourados brilhando ferozes a luz das chamas.
O
jovem a quem planejara matar o olhava de sua posição na cama, encolhido, mas
sem qualquer pena, quando Amaryllis começou a arrastá-lo para fora do quarto,
seguida por Gustavo.
Eles
arrastaram o assassino até a entrada da casa, onde cidadãos começavam a se
reunir devido ao barulho e aquele instinto humano natural, de pressentir quando
algo incomum acontece.
Jogaram
o homem em meio à roda e este cambaleou alguns passos, antes de cair por sobre
si mesmo, chorando e pedindo piedade.
-
Eis o seu assassino, cidadão de Lua Vermelha! – Bradou a exterminadora,
chamando a atenção do povo. – Não um ser que chamam de monstro, mas sim um de
vocês, cego pelo ódio e buscando culpados para suas tragédias!
Não
havia dúvidas, além do depoimento do jovem que seria assassinado naquela noite,
o autor ainda vestia a luva de garras usada para cometer os crimes. Nem mesmo
aqueles que se opunham a Aliança conseguiriam impor ao clã Lune Ruge a culpa
pela violência.
Vendo
os guardas se aproximarem para efetuar a prisão, Gustavo provocou:
- Parabéns, Belladonna Acônito.
Ao
que a exterminadora forçou um rosnado, sem conseguir se sentir irritada ao som
dos aplausos e gritos de celebração do povo que os saudava.
-
Eu realmente não gosto de você. – Sussurrou de volta, revirando os olhos ao ver
o vampiro rir baixinho.
Mais cedo, na sala de evidências dentro do
posto de segurança. Antes que pudesse efetivamente se concentrar no cheiro
vindo dos trapos que haviam sido as roupas das vítimas, o vampiro chamou sua
atenção.
Sentado no parapeito de uma das janelas
da sala, ele olhava para a vila, quando perguntou:
- Sanguessugas hipócritas, é assim que
todos os vampiros se parecem para você?
Ela parou o que fazia e olhou para ele,
surpreendida pelo tom de voz sério e quase melancólico do vampiro.
- Eu não disse isso. – Gustavo a olhou,
sem entender sua resposta. – Disse que a vila era repleta de sanguessugas e
hipócritas. O “hipócritas” se referia aos humanos.
O vampiro riu, balançando a cabeça em
negativa.
- Todos os humanos são hipócritas para
você?
- A maioria. – Respondeu sem hesitar. –
Especialmente em uma vila como essa. Eles morrem de medo de vocês, planejam
modos de exterminá-los, ao mesmo tempo em que se gabam de serem muito evoluídos
e conviverem pacificamente com vocês.
- E isso te incomoda?
- Muito!
- Por quê?
- Porque eu odeio hipocrisia!
Gustavo riu novamente, não a gargalhada
escandalosa que dava quando queria irritá-la, um riso contido, quase doído, que
soava tão... real.
- Nem todos eles são hipócritas, alguns
realmente acreditam na vida pacífica que temos aqui e querem que permaneça.
Aqui temos paz, comida farta, um pouco de hipocrisia parece um preço baixo a
pagar.
- Então, não te incomoda que eles te
vejam como monstros terríveis?
- Alguns vampiros são monstros
terríveis. Alguns humanos também. Você age como se todos fossem atacar a
qualquer instante, julga qualquer um que se aproxime, o que a torna diferente
deles?
Sem saber o que responder e irritada
por isso, Amaryllis voltou-se para as roupas, buscando algum cheiro que
identificasse o autor.
Demorou mais do que se orgulharia, mas
logo percebeu um cheiro que, não sabia como, lhe era familiar. Buscou em sua
mente todas as memórias olfativas registradas, até que se lembrou em um estalo.
- O secretário de segurança é contra a Aliança?
Gustavo suspirou novamente, antes de
responder.
- Tornou-se um dos mais ferrenhos
antagonistas há um ano.
Lentamente, as peças começavam a se
encaixar.
- Não foi nessa época que a filha dele
morreu?
O vampiro acenou, tentando entender
aonde ela queria chegar com o interrogatório, então, se encolheu diante do
olhar acusatório que ela lhe lançou. Os olhos muito azuis perdendo um pouco do
brilho, demonstrando real tristeza.
- Pode parar de me olhar assim, nenhum
vampiro tem culpa na morte de Elisa! Mas certamente teríamos evitado, se ela
deixasse.
A mulher continuou encarando-o, agora não mais
o culpando com os olhos, mas demonstrando genuína curiosidade.
– Alberto sempre foi intimo do clã e quando
diagnosticaram Elisa com a mesma doença que matara sua esposa, ele nos pediu
que a transformássemos. Porém Elisa não quis, ela se apaixonou por um opositor
da Aliança e preferia morrer humana a ser odiada por ele. Nós respeitamos sua
vontade e Alberto jamais nos perdoou por isso.
Ao final da história, Amaryllis já não
o olhava diretamente, mas ele podia sentir a dor em seu coração.
- Mas você estava na sala dele quando
cheguei, bem confortável inclusive! – Questionou, tentando encaixar os
detalhes.
- Eu sabia que estava para chegar,
precisava assegurar-me de que ele não enxeria sua cabeça de absurdos contra
nós.
Mais uma vez, ela acenou a cabeça em
confirmação. Isso encerrava o caso.
- As roupas tem cheiro de papel velho,
whisky barato e suor, sei quem é o nosso culpado.
O vampiro entendeu o que era dito.
- Jamais acreditarão em nossas
palavras, se não tivermos como provar.
- Então faremos uma armadilha para ele.
– Concluiu a exterminadora.
Fim.