Sentiu o peso dos olhares quando adentrou no salão, preferindo fingir ignorar os sussurros debochados. Sabia que não era bem vinda, mas não se importava, também não queria estar ali.
Sentia-se
aprisionada naquele ambiente, cercada por pessoas que pareciam tão vazias e
pequenas. Houve uma época que o desprezo e palavras cruéis a machucaram, mas
agora não significavam nada, nada além de um incômodo, como o constante zunir
de um inseto.
Os
dias passavam devagar e arrastados, sem que entendesse o porquê de continuar
sendo obrigada a suportar aquilo. Era como se estivesse acorrentada e
amordaçada, como se sua voz jamais fosse ouvida. Em suas costas, um peso
crescia e parecia que algo romperia a pele a qualquer momento.
Durante
anos negara quem era, tentara se parecer com eles, agir como eles, gostar
do que gostavam, talvez assim fosse aceita, talvez assim se sentisse parte
do grupo.
Porém
era em vão, a mediocridade não fazia parte de sua natureza. Era incapaz de
vê-los atacar seres mais fracos e permanecer em silêncio, incapaz de ajudar a
machucar alguém indefeso. Mesmo que essas mesmas pessoas viessem a tentar machucá-la depois.
Diversas vezes, ao tentar proteger
alguém, os ataques se voltaram contra ela, sem que recebesse a mesma ajuda que
oferecera.
Lentamente,
aprendeu a desconfiar, tornou-se reclusa. Se eles a viam como um monstro, um
monstro seria, o mais terrível de todos!
Tentou tanto ser cruel, ser fria, congelar seu coração de modo que as atitudes
deles já não mais a afetassem. Isso também não funcionava, era contra a sua
natureza ser vil, não importava o quanto a tratassem mal.
Durante
anos tentou entender; por que era tão diferente? Por que não podia ser como os
demais e assim se poupar de tanta dor? Por que tinha que sentir com tanta
intensidade? Por que tinha que se preocupar tanto?
Não
havia respostas, apenas a sensação de que tantas emoções e inadequação a
sufocariam e o peso crescente em suas costas, tentando se libertar.
Chegou
a cogitar que não tivesse qualquer valor, se perguntando qual seria o propósito
de uma existência tão doída. Perguntava-se porque permanecer existindo em um
mundo em que parecia não caber, quando a solução, às vezes, soava tão mais
fácil.
Não
que não houvesse quem tentasse ajudá-la, mas como poderiam, se ela mesma não
entendia qual era o problema? Enquanto para os outros era natural agir de
determinada maneira, para ela era absurdo, superficial e insuficiente. Talvez
tivesse algum defeito ou apenas fosse egoísta demais, ávida por sentir o que
ninguém mais sentia, sem que na verdade se visse como merecedora de algo
especial.
Lentamente,
acabou por tornar a si própria superficial, incapaz de mergulhar nas emoções
pelas consequências possíveis, pela dor que parecia sempre seguir a entrega.
Se trancou em si mesma, por medo. Aceitou que a culpa era toda dela por ser
tão esquisita.
Carregou
nas costas o peso das emoções contidas, das frustrações engolidas e da fúria
abafada. Começou a acreditar que merecia o tratamento recebido e que jamais
algo mudaria.
Perdida
na própria tristeza, demorou a ouvir as vozes que a apoiavam e a convidavam a
se erguer. Demorou a perceber que, a despeito da multidão cinzenta que a
cercava, havia cores e luzes, convidando a enxergar um mundo mais amplo.
Foi
então, sem nada mais a perder, que tomou coragem e decidiu se entregar,
entregou-se a única pessoa que jamais se permitira conhecer; Entregou-se a si
própria e, que grande surpresa, amou quem conheceu.
Os
olhares deixavam de pesar tanto ou serem tão relevantes, quanto mais olhava
para si própria.
Enxergou
nos próprios olhos, antes tão fundos e opacos, o brilho da própria força.
Acariciou os cabelos quebradiços e descobriu que lentamente podia lhes dar
vida. Cavando bem fundo no próprio coração, reencontrou seu sorriso e se viu cega
pela luz que dele emanava.
Podia
ainda estar em um ambiente hostil, mas agora percebia que também existiam
sorrisos gentis e afagos se ela estivesse disposta a recebê-los. Já não
precisava impor sua presença aos demais ou se fazer notar, pois percebia que
era vista por quem realmente merecia sua consideração. Aquele reconhecimento
valia mais do que todos os outros juntos.
Pouco
a pouco, como em uma difícil escalada, reencontrou pedaços de si mesma. Partes
da própria alma, que deixara outros arrancarem na tentativa de se moldar no que
não era.
Remontando-se
de um jeito novo, descobriu que se amava por inteiro, toda a luz de seu
espírito e a escuridão onde escondera seus reais desejos, vontades e tudo
aquilo que disseram que não prestava. Tudo prestava sim! Pois era ela, a
verdadeira e por tanto tempo perdida.
Finalmente,
abraçou a si própria, percebendo a verdadeira beleza de ser quem era,
maravilhada e sem entender como pudera dar as costas a um ser tão incrível.
Foi
então que, não mais que de repente, ocorreu a verdadeira mágica e sentiu o peso
em suas costas finalmente se desprender, expandindo-se de forma majestosa.
Gritou,
em uma mistura de profunda dor e êxtase, quase sem entender, quando sentia sua
pele rasgar e o peso, agora macio, se aninhar de maneira protetora em suas
costas, onde antes havia apenas as restrições da dor e da culpa.
Seu
grito ecoou por todo o espaço e ela sentiu os olhares surpreendidos daqueles
que jamais lhe deram valor. Sentiu o acariciar suave dos novos apêndices que
cresceram em suas costas e teve a certeza definitiva de que podia voar.
A
revelação a atingiu de surpresa, percorrendo todo seu corpo como uma descarga
elétrica: Finalmente era livre! Livre em si mesma, livre, conhecendo suas
qualidades, livre, enxergando todas as possibilidades, livre, tomando, em fim,
consciência de que seria capaz de superar qualquer obstáculo para conquistar
seus sonhos.
Gargalhou,
sentindo-se preenchida de alegria, deixando o riso sair de sua boca em lufadas
rodopiantes de ar ao seu redor, aquecendo todo o ambiente. Expandiu suas asas,
jogando para longe tudo e todos que lhe eram prejudiciais e, finalmente, voou.
Sentindo-se
leve, ergueu-se a cima das construções, ergueu-se até as nuvens e lá do alto
enxergou o maravilhoso mundo que se apresentava no horizonte, convidando-a a
explorá-lo.
Sentiu
o sol do novo dia que nascia aquecer sua pele macia e suas penas recém-adquiridas,
parecendo recarregar suas forças. Rodopiou no espaço, sentindo o sabor da
brisa. Passeou entre as nuvens, sentindo a água lavar e curar todos os
machucados. Inebriada por tantas novas sensações, se deliciou ao perceber que
havia tanta magia e encanto em si mesma e que isso se refletia em tudo que a
cercava.
Ouvia
ao longe os aplausos e gritos de aprovação daqueles que sempre torceram por
ela, abafando todos os resmungos mesquinhos dos invejosos que, tantas vezes,
tentaram podar suas asas.
Nunca
se sentira tão cheia de amor e consciente de que, quanto mais o distribuísse,
mais ele aumentaria.
Ousou
voar mais alto, se aventurar, confiante da própria força, sabendo que havia
superado tantos desafios para adquirir suas asas e que superaria quaisquer
outros em seu caminho.
Como
no natural transcorrer dos ciclos, aos poucos se percebeu cercada de diversos
seres como ela própria, com as mais belas e diversas asas, em um caleidoscópio
de cores e amores.
Soube, enfim, que estava em casa, que
nunca mais se sentiria sozinha. Entendeu que ao encontrar a si própria, pode
encontrar quem realmente a amava e que tinha a força necessária para conquistar
cada um de seus sonhos.
Fim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário