Soube que estava tudo acabado no
momento em que errou o último tiro, suas mãos tremulas devido a aflição.
Passara
anos rastreando aquele grupo, determinado a fazer seu nome como aquele que
derrotara Yuri e seu clã. Correra atrás de pistas, treinara, enfrentara grupos
menores e com membros mais jovens, antes de acreditar estar preparado. Agora,
percebia que se enganara.
Estava
exausto, suado e coberto de sangue. Seu e de companheiros abatidos.
Marcos
havia morrido para descobrir a localização do esconderijo e Elisa não resistira
quando as gêmeas a atacaram.
Ele
assistira quando rasgaram a garganta de sua namorada, sem que tivesse chance de
disparar. Pelo menos, a mulher conseguiu cravar seus punhais no peito de ambas
e levou-as consigo.
Matara
mais três, enquanto Eduardo lhe dava cobertura e cuidava dos monstros
recém-criados. Então, foram cercados por mais cinco criaturas e o companheiro
lhe disse para ir em frente. Rezava para que tivesse conseguido escapar.
Não
conseguira absorver ainda quantos haviam morrido por causa de seu ataque mal
planejado e agora notava que não teria chance.
Seu
coração bombeava o sangue com tal velocidade, que fazia pressão em seus
ouvidos. Sentiu o rastro da gota de suor frio que brotou em sua nuca e desceu
por seu pescoço, arrepiando-o.
Queria
correr, gritar, pedir clemência. Porém seu corpo parecia paralisado. Era assim
que devia se sentir o pequeno rato sob o olhar da serpente.
Enquanto
isso, Yuri andava com tranquilidade em sua direção como se ignorasse a reação
que causava. Um meio sorriso se colara em seu rosto, deixando à mostra as
pontas dos caninos afiados, no momento em que ouvira o “clic” da tentativa de
disparar a arma descarregada.
Cego
de adrenalina, usara todo o pente nos três guardiões que o atacaram quando
entrou no aposento. Seus corpos jaziam no chão, pintando a madeira com o sangue
quase negro. Seu nervosismo estragara sua mira e o fizera gastar mais balas do
que o necessário para derrubá-los. Agora, sabia que não conseguiria recarregar
a arma tempo.
Quando
chegou a menos de um palmo de distância, Yuri estendeu a mão esquerda contra a
porta por onde entrara, ao lado de seu rosto, praticamente eliminando a
distância entre seus corpos e aprisionando-o.
A
consciência da proximidade fez com que fosse preenchido por um jato de terror,
seus pulmões arderam quando respirou fundo, sentindo o cheiro de lírios e sangue
que emanava de seu adversário.
Tentou
alcançar a adaga de prata que escondera no interior do casaco, movido pelo
desespero, mas a criatura superou sua velocidade com facilidade.
Gritou,
sentindo o monstro segurar seus pulsos e erguê-los a cima de sua cabeça, para,
então, usar a arma e perfurar suas palmas, cravando-o contra a porta.
-
Eis a paga pela sua arrogância, Rodrigo. – Disse em tom de deboche, antes de
lamber um tanto do sangue que escorria pelo pulso do jovem. – Não há dor física
que eu pudesse lhe causar, que superasse a dor que deve estar sentindo por ser
responsável pela morte de seus companheiros... Todavia, você matou muitas de
minhas crianças e eu poderia me mostrar deveras criativo, se este nosso pequeno
jogo já não tivesse me cansado.
A
criatura segurou o queixo do jovem, forçando-o a levantar o rosto e, mesmo com
a visão embaçada pela dor, ele conseguia enxergar o sorriso frio, que adornava
o rosto sobrenaturalmente belo. Sentindo um ódio profundo queimar em suas
entranhas, falou:
- Pode
me matar, mas outros virão em meu lugar! Você será exterminado, Yuri! Você e
toda a sua maldita corja!
As
palavras fizeram com que o sorriso da criatura sumisse, substituído por uma
careta de fúria, quando ele desferiu um golpe com o joelho contra abdômen do
jovem e o fez vomitar sangue.
-
Quantas vezes eu o poupei? Quantas vezes ousou me atacar e eu lhe permiti
escapar da justa punição? – A cada nova pergunta, um novo golpe era desferido.
– Seu moleque prepotente, que não entende nada sobre o mundo! Durante anos, eu
tolerei seu ódio e ataques, busquei mostrar-lhe seus erros! Mas hoje você
excedeu todos os limites e feriu minha família! – Fechou uma das mãos nos
curtos fios do cabelo negro, erguendo o rosto do jovem e forçando que os olhos
castanhos focassem diretamente nos seus, rubros de fúria. – Como um verme
patético e obcecado, não hesitou em sacrificar seus próprios amigos em uma
emboscada suicida!
O
moreno cuspiu sangue e respirou duas vezes longamente, antes de voltar a falar:
-
Não me arrependo de nada. Todos vieram aqui desenganados, dispostos a
sacrificarem à própria vida, desde que levassem junto o maior número de
monstros sanguessugas possível!
Yuri
deu uma risada fria, apertando mais a mão que segurava a cabeça erguida do
menor e vendo-o contorcer a face de dor.
- Humanos,
nunca se importam em morrer, desde que eliminem aquilo que lhes causa medo.
Algum idiota lhes disse que eram os donos do mundo e vocês não hesitaram em
acreditar. – Com movimentos felinos, aproximou seus lábios da orelha de
Rodrigo, passando a sussurrar, provocando-o. – Nós somos os monstros? Nós? Oh,
você sabe quem mata mais humanos, não sabe? – Soltou uma nova risada sem humor,
vendo todo o corpo do moreno tencionar de medo. – Nós nos alimentamos, apenas
isso.
Desta
vez, foi o mais novo que riu sem humor, incrédulo.
-
Quer realmente discutir ideologias agora? Acha que vai conseguir mudar minha
opinião sobre vocês?
Porém
o vampiro não se abalou.
- Estou cansado da hipocrisia humana. A
sua espécie lota o planeta, consumindo tudo em seu caminho e nos chama de
monstros porque os consumimos. Não é apenas natural, que se os homens consomem
seres vivos, outros seres consumirão os homens? O que os faz achar que são tão
especiais e superiores às demais criaturas?
- “Lei da natureza”? É essa a sua
desculpa? Está dizendo que deveríamos aceitar docilmente que vocês nos matem,
porque esta seria a “Lei da Natureza”?! – Rodrigo sentia a revolta queimar em
suas entranhas, dando-lhe forças para
falar.
Yuri soltou a cabeça do humano,
utilizando a mão que o segurava para acariciar os fios, como faria com um
animal de estimação.
- Nenhuma presa se rende facilmente ao
predador, não é verdade? Mas a soberba de vocês produz seres cegos de ódio como
você. Tão radicais e irracionais que não hesitam em ir até as últimas
consequências para provarem sua razão. Na ânsia por nos destruir, você matou
muito mais humanos do que nós e foi em vão.
- Eles sabiam dos riscos. – Falou,
tentando inutilmente afastar-se das mãos do vampiro com a pouca mobilidade que
lhe restava. - estavam dispostos a se sacrificar e...
- Seres humanos estão sempre dispostos a
se sacrificar para eliminar o que os apavora. – Disse, cortando-o. – Porém, se
negam a entender o equilíbrio.
Yuri se inclinou mais um pouco, pousando
os lábios de leve sobre o pescoço de sua presa.
- Nesta noite, sua fúria mesquinha gerou
a morte inútil de vários membros de nossos dois povos. Sem calcular os riscos,
atirou-se de cabeça, arrastou vários consigo e ceifou a vida de meus filhos em
vão, como uma fera descontrolada, destruindo tudo em seu caminho. Não
permitirei que tal tragédia se repita.
Dito isto, curvou-se contra o corpo menor, cravando seus
caninos afiados na jugular e sugando até a última gota de sangue.
Sozinho,
em silêncio, deixando apenas que o som da respiração cada vez mais fraca do
humano preenchesse o ambiente, enquanto era assistido pelos olhos mortos de
seus filhos, que haviam sido abatidos em uma luta estúpida.
Fim.
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