quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Predadores.

         Soube que estava tudo acabado no momento em que errou o último tiro, suas mãos tremulas devido a aflição. 

         Passara anos rastreando aquele grupo, determinado a fazer seu nome como aquele que derrotara Yuri e seu clã. Correra atrás de pistas, treinara, enfrentara grupos menores e com membros mais jovens, antes de acreditar estar preparado. Agora, percebia que se enganara.

         Estava exausto, suado e coberto de sangue. Seu e de companheiros abatidos.

         Marcos havia morrido para descobrir a localização do esconderijo e Elisa não resistira quando as gêmeas a atacaram.

         Ele assistira quando rasgaram a garganta de sua namorada, sem que tivesse chance de disparar. Pelo menos, a mulher conseguiu cravar seus punhais no peito de ambas e levou-as consigo.

         Matara mais três, enquanto Eduardo lhe dava cobertura e cuidava dos monstros recém-criados. Então, foram cercados por mais cinco criaturas e o companheiro lhe disse para ir em frente. Rezava para que tivesse conseguido escapar.

         Não conseguira absorver ainda quantos haviam morrido por causa de seu ataque mal planejado e agora notava que não teria chance.

         Seu coração bombeava o sangue com tal velocidade, que fazia pressão em seus ouvidos. Sentiu o rastro da gota de suor frio que brotou em sua nuca e desceu por seu pescoço, arrepiando-o.

         Queria correr, gritar, pedir clemência. Porém seu corpo parecia paralisado. Era assim que devia se sentir o pequeno rato sob o olhar da serpente.

         Enquanto isso, Yuri andava com tranquilidade em sua direção como se ignorasse a reação que causava. Um meio sorriso se colara em seu rosto, deixando à mostra as pontas dos caninos afiados, no momento em que ouvira o “clic” da tentativa de disparar a arma descarregada.

         Cego de adrenalina, usara todo o pente nos três guardiões que o atacaram quando entrou no aposento. Seus corpos jaziam no chão, pintando a madeira com o sangue quase negro. Seu nervosismo estragara sua mira e o fizera gastar mais balas do que o necessário para derrubá-los. Agora, sabia que não conseguiria recarregar a arma tempo.

         Quando chegou a menos de um palmo de distância, Yuri estendeu a mão esquerda contra a porta por onde entrara, ao lado de seu rosto, praticamente eliminando a distância entre seus corpos e aprisionando-o.

         A consciência da proximidade fez com que fosse preenchido por um jato de terror, seus pulmões arderam quando respirou fundo, sentindo o cheiro de lírios e sangue que emanava de seu adversário.

         Tentou alcançar a adaga de prata que escondera no interior do casaco, movido pelo desespero, mas a criatura superou sua velocidade com facilidade.

         Gritou, sentindo o monstro segurar seus pulsos e erguê-los a cima de sua cabeça, para, então, usar a arma e perfurar suas palmas, cravando-o contra a porta.

         - Eis a paga pela sua arrogância, Rodrigo. – Disse em tom de deboche, antes de lamber um tanto do sangue que escorria pelo pulso do jovem. – Não há dor física que eu pudesse lhe causar, que superasse a dor que deve estar sentindo por ser responsável pela morte de seus companheiros... Todavia, você matou muitas de minhas crianças e eu poderia me mostrar deveras criativo, se este nosso pequeno jogo já não tivesse me cansado.

         A criatura segurou o queixo do jovem, forçando-o a levantar o rosto e, mesmo com a visão embaçada pela dor, ele conseguia enxergar o sorriso frio, que adornava o rosto sobrenaturalmente belo. Sentindo um ódio profundo queimar em suas entranhas, falou:

         - Pode me matar, mas outros virão em meu lugar! Você será exterminado, Yuri! Você e toda a sua maldita corja!

         As palavras fizeram com que o sorriso da criatura sumisse, substituído por uma careta de fúria, quando ele desferiu um golpe com o joelho contra abdômen do jovem e o fez vomitar sangue.

         - Quantas vezes eu o poupei? Quantas vezes ousou me atacar e eu lhe permiti escapar da justa punição? – A cada nova pergunta, um novo golpe era desferido. – Seu moleque prepotente, que não entende nada sobre o mundo! Durante anos, eu tolerei seu ódio e ataques, busquei mostrar-lhe seus erros! Mas hoje você excedeu todos os limites e feriu minha família! – Fechou uma das mãos nos curtos fios do cabelo negro, erguendo o rosto do jovem e forçando que os olhos castanhos focassem diretamente nos seus, rubros de fúria. – Como um verme patético e obcecado, não hesitou em sacrificar seus próprios amigos em uma emboscada suicida!

         O moreno cuspiu sangue e respirou duas vezes longamente, antes de voltar a falar:

         - Não me arrependo de nada. Todos vieram aqui desenganados, dispostos a sacrificarem à própria vida, desde que levassem junto o maior número de monstros sanguessugas possível!

         Yuri deu uma risada fria, apertando mais a mão que segurava a cabeça erguida do menor e vendo-o contorcer a face de dor.

         - Humanos, nunca se importam em morrer, desde que eliminem aquilo que lhes causa medo. Algum idiota lhes disse que eram os donos do mundo e vocês não hesitaram em acreditar. – Com movimentos felinos, aproximou seus lábios da orelha de Rodrigo, passando a sussurrar, provocando-o. – Nós somos os monstros? Nós? Oh, você sabe quem mata mais humanos, não sabe? – Soltou uma nova risada sem humor, vendo todo o corpo do moreno tencionar de medo. – Nós nos alimentamos, apenas isso.

         Desta vez, foi o mais novo que riu sem humor, incrédulo.

         - Quer realmente discutir ideologias agora? Acha que vai conseguir mudar minha opinião sobre vocês?

         Porém o vampiro não se abalou.

- Estou cansado da hipocrisia humana. A sua espécie lota o planeta, consumindo tudo em seu caminho e nos chama de monstros porque os consumimos. Não é apenas natural, que se os homens consomem seres vivos, outros seres consumirão os homens? O que os faz achar que são tão especiais e superiores às demais criaturas?

- “Lei da natureza”? É essa a sua desculpa? Está dizendo que deveríamos aceitar docilmente que vocês nos matem, porque esta seria a “Lei da Natureza”?! – Rodrigo sentia a revolta queimar em suas entranhas,  dando-lhe forças para falar.

Yuri soltou a cabeça do humano, utilizando a mão que o segurava para acariciar os fios, como faria com um animal de estimação.

- Nenhuma presa se rende facilmente ao predador, não é verdade? Mas a soberba de vocês produz seres cegos de ódio como você. Tão radicais e irracionais que não hesitam em ir até as últimas consequências para provarem sua razão. Na ânsia por nos destruir, você matou muito mais humanos do que nós e foi em vão.

- Eles sabiam dos riscos. – Falou, tentando inutilmente afastar-se das mãos do vampiro com a pouca mobilidade que lhe restava. - estavam dispostos a se sacrificar e...

- Seres humanos estão sempre dispostos a se sacrificar para eliminar o que os apavora. – Disse, cortando-o. – Porém, se negam a entender o equilíbrio.

Yuri se inclinou mais um pouco, pousando os lábios de leve sobre o pescoço de sua presa.

- Nesta noite, sua fúria mesquinha gerou a morte inútil de vários membros de nossos dois povos. Sem calcular os riscos, atirou-se de cabeça, arrastou vários consigo e ceifou a vida de meus filhos em vão, como uma fera descontrolada, destruindo tudo em seu caminho. Não permitirei que tal tragédia se repita.

Dito isto,  curvou-se contra o corpo menor, cravando seus caninos afiados na jugular e sugando até a última gota de sangue.


         Sozinho, em silêncio, deixando apenas que o som da respiração cada vez mais fraca do humano preenchesse o ambiente, enquanto era assistido pelos olhos mortos de seus filhos, que haviam sido abatidos em uma luta estúpida.

Fim.

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