Ignorou o som da porta da principal do apartamento se abrindo, totalmente
concentrado na substância que analisava em seu microscópio. Porém foi incapaz
de manter-se alheio aos braços fortes que envolveram seu quadril. Respirou
fundo, sentindo o cheiro característico do perfume amadeirado misturado com
suor, e permitiu-se um sorriso ao sentir o suave roçar da barba em sua nuca e
um beijo sendo plantado bem atrás de sua orelha direita.
- Dia difícil, Sherlock? – A voz soou gentil e bem humorada, enquanto
o dedão da mão esquerda de seu dono começava a traçar pequenos círculos no
final de seu abdômen, por cima do tecido da camisa social que usava.
Desistindo de prosseguir com a pesquisa, inclinou o corpo para trás,
apoiando as costas no peito forte do que lhe segurava, abrindo um meio sorriso
ao vislumbrar o perfil do namorado, os cabelos ruivos perfeitamente alinhados
em um corte militar e a barba bem aparada, contrastando com a pele levemente
bronzeada e os expressivos olhos castanhos que brilharam calorosamente ao
olharem diretamente para os seus. Depositou um rápido beijo nos lábios do outro
antes de responder, envolvendo a mão que lhe acariciava com a sua própria,
tentando impedi-lo de continuar a incitá-lo.
- Profundamente chateado na verdade, passei o dia buscando o que fazer
para matar o tédio – respondeu. Sua voz grave preenchendo todo o ambiente,
enquanto revirava os olhos de modo a expressar seu descontentamento.
- Oh, mas que curioso isso - retrucou o ruivo, com uma entonação
irônica, descendo a mão esquerda para a coxa do outro e massageando a parte
interna, enquanto voltava a falar. - Lestrade me ligou mais cedo, disse que
passou a manhã inteira tentando se comunicar com você e que não atendeu o
maldito telefone.
Sherlock respirou fundo, fechando os olhos em busca de foco, tentando
controlar-se diante das provocações do outro e assegurando que sua voz mantinha
o tom desinteressado ao responder:
- Absurdo, John, o meu celular não tocou uma única vez ho-je! -
engasgou na última silaba, sobressaltando-se ao sentir a mão do outro subir por
sua perna, tornando cada vez mais difícil manter uma linha lógica de
pensamentos.
- Tem certeza? - Continuou o ruivo de modo provocante, com a boca bem
próxima ao ouvido dele, enquanto lentamente guiava a mão para dentro do bolso
frontal da calça jeans escura que o mais alto vestia. Abriu um sorriso esperto
ao sentir uma forma rígida contra a sua palma, para então envolvê-la firmemente
com seus dedos e puxar para fora o celular.
Afastou-se um pouco do outro, mexendo na tela do aparelho e aumentou
seu sorriso não apenas por confirmar sua suspeita, como pelo resmungo
contrariado que Sherlock emitiu devido ao aumento abrupto da distância.
- Seu celular está desligado, senhor Holmes, sem bateria de novo! -
Constatou, soltando-o totalmente e indo até o móvel onde guardavam os
carregadores.
Sherlock ajeitou-se no banco, de onde quase caíra, e acompanhou os
movimentos do namorado providenciando a recarga do aparelho, enquanto sentia a
frustração pelo súbito abandono dominá-lo.
- Oh, doutor Watson, o que seria de mim sem você para cuidar de todos
os tediosos aspectos mundanos da minha existência? - Implicou em um tom
debochado, enquanto retirava alguns cachos do cabelo negro da frente de seus
olhos cinzentos, e abria um meio sorriso presunçoso e provocante.
- Já teria morrido de inanição ou estafa... Patético fim para o único
detetive consultor do mundo. - Retrucou o médico, mostrando a língua de modo
infantil ao terminar de falar e fazendo o moreno rir baixo.
Houve um pequeno momento de silêncio, em que Watson se acomodou em sua
poltrona preferida e dedicou-se a folhar o jornal do dia, enquanto o consultor
detetive travava um duelo interno entre seu desejo de prosseguir com as
carícias que o médico iniciara e seu orgulho ferido por ter caído tão
facilmente no jogo dele. Porém, antes que chegasse a uma conclusão, viu o ruivo
deixar o jornal de lado, tornando a se levantar.
- Acho melhor deixar a chaleira preparada. Lestrade disse que estaria
aqui às 17:00 horas para falar com você sobre o caso.
Ainda sentado de frente para a bancada que separava os cômodos do
apartamento, Sherlock assistiu o ruivo movimentar-se pela cozinha, alternando o
olhar entre ele e o relógio e sentindo-se contrariado ao constatar que faltavam
apenas dez minutos para o horário marcado e isso anulava qualquer chance de
conseguir alguma interação mais profunda, antes da chegada do inspetor
detetive da Scotland Yard.
O homem chegou no horário marcado. Sherlock, agora sentado em sua poltrona,
ao lado da de Watson, ouviu as batidas firmes em sua porta e assumiu sua usual
postura estóica, as mãos em frente aos lábios, apenas com as pontas dos dedos
conectadas, e os olhos quase fechados, enquanto o doutor ia recebê-lo.
- Lestrade - Falou, a guisa de cumprimento. Sem se dar ao trabalho de
se virar para o visitante, quando ouviu os passos na sala de estar.
- Bom revê-lo também, Holmes, fico feliz em saber que ainda está vivo.
- Brincou o detetive, sentando-se no sofá de dois lugares que ficava em frente
às poltronas.
O detetive consultor finalmente se dignou a olhar diretamente para
ele, fazendo uma expressão de profundo tédio diante de seu bom humor.
- John me disse que precisava de mim em um caso. - Falou, sem qualquer
inclinação de questionamento, ansioso para terminar aquela conversa e tentar
retomar suas atividades com o namorado.
Watson olhou para o inspetor como se pedisse desculpas pelo
comportamento do outro, servindo lhe uma xícara de chá. O mais velho apenas
balançou a cabeça, rindo da mesma forma que um adulto diante da birra de uma
criança pequena, verdadeiramente sem se importar. Então percebeu que Sherlock
acompanhava atentamente seu pequeno diálogo não verbal com o médico, com um
olhar faiscante e tomou um gole da bebida, antes de voltar a falar.
- Esta certo, Holmes, direto ao ponto. – Tentou começar, mas se viu
tomado pelo desconforto e precisou afrouxar
o nó da gravata, antes de continuar. - Na verdade é um caso um tanto
delicado... Eu não gostaria de envolvê-lo nisso, mas estamos tendo sérias
dificuldades em...
- Fale de uma vez, Lestrade. - O moreno o cortou, sua voz quase soando
irritada. - Isso tem haver com os crimes homofóbicos que vem ocorrendo em
Londres, certo? - Perguntou de modo entediado, abrindo um meio sorriso irônico
ao notá-lo afrouxar mais um pouco a gravata. - Eu leio os jornais, caso você não
saiba. - finalizou de modo debochado, ignorando o olhar repreendedor que Watson
lhe dirigia.
O inspetor remexeu-se um pouco no sofá, como se buscasse uma posição
mais confortável, e pigarreou levemente, para então continuar:
- Bem, de fato eu supunha que já sabiam sobre esses crimes, mas pensei
que talvez o assunto fosse delicado, considerando... - O inspetor travou,
percebendo um calor espalhar-se por seu rosto, sentindo-se idiotamente
constrangido, mas sem saber qual seria a maneira apropriada para expressar seus
pensamentos.
- Considerando? - Provocou Sherlock, em um tom lento e venenoso,
fazendo com que Watson sibilasse seu nome, chamando-lhe mais uma vez a atenção.
O inspetor tomou um longo gole de chá e fez uma nova tentativa.
- Considerando... A... Sua... Compatibilidade de características com
as vítimas. - Disse por fim, sentindo-se frustrado devido ao próprio
constrangimento.
- Considerando que eu sou gay, você quer dizer. - Concluiu o detetive,
no mesmo tom desagradável, divertindo-se ao ver o rosto de Lestrade assumir tons
mais fortes de vermelho.
- Sherlock, já chega! – Repreendeu-o Watson de modo cortante,
fuzilando-o com os olhos, antes de voltar sua atenção para o policial a sua
frente. - Sinto muito pelo comportamento dele, Lestrade. Foi muito gentil de
sua parte ter essa preocupação. Ainda que Sherlock tenha dificuldade de
entender a sua consideração, eu lhe agradeço por nós dois. – Concluiu o médico,
cumprimentando o inspetor de forma amigável.
Lestrade apertou a mão do médico, satisfeito em perceber que ao menos
ele compreendera suas intenções. Então voltou-se mais uma vez para o detetive,
que os observava em silêncio, com olhos desconfiados, não estando plenamente
convencido de suas boas intenções. Lestrade respirou fundo e piscou os olhos
lentamente algumas vezes, consciente de que quando se tratava de Sherlock era
necessário ter paciência. Conhecia-o a tempo suficiente para saber que ele tinha
motivos de sobra para ser tão desconfiado, então se esforçou para relevar seu
comportamento.
- Você vai nos ajudar? – Perguntou de volta a postura de oficial da
Scotland Yard.
Sherlock permaneceu alguns segundos em silêncio, seus olhos
perscrutando toda a figura do homem a sua frente, como se fosse capaz de ler
todos os seus pensamentos com aquele olhar. Voltando a postura com as mãos
unidas sob o queixo e os olhos quase fechados, para então responder no tom frio
e desinteressado que lhe era habitual:
- Preciso que me passe todos os detalhes que obtiveram sobre os casos
e, claro, acesso a todo o material coletado até aqui.
Durante as duas horas seguintes os homens conversaram em um tom
profissional, quase amistoso, enquanto Lestrade narrava tudo o que sabia sobre
os crimes e tentava responder da forma mais precisa possível aos
questionamentos do mais novo.
A noite já caíra totalmente e fazia algum tempo que o inspetor se fora,
deixando uma serie de informações e a promessa de que enviaria tudo que tinha
sobre o caso por e-mail. Desde então Sherlock entrara no modus operandi de
detetive consultor, com o laptop em seu colo, fechou-se em sua própria mente,
os olhos percorrendo o monitor de forma veloz, quase sem piscar.
Watson se posicionou atrás da poltrona dele, acomodando o queixo em
seu ombro antes de entregar lhe uma caneca de café, conformado com fato de que
ele não se permitira dormir tão cedo.
Olhou para a tela do laptop e sentiu um nó se formar em sua garganta
diante da imagem que o outro analisava. Era a foto de um garoto, não devia ter
mais de 20 anos, jogado no que parecia ser um descampado, os braços amarrados
para trás do corpo e o rosto coberto de sangue, que identificava se originar de
um corte no supercílio, onde antes devia haver um piercing. Estava sem camisa e
mesmo com a má iluminação da foto era possível enxergar uma serie de marcas e
hematomas na pele branca. Os olhos vermelhos de tanto chorar olhavam
diretamente para a câmera, as pupilas dilatadas em completo terror. Logo se
recordou de que vira a foto daquele garoto no jornal alguns dias atrás, a
reportagem não trazia nenhuma imagem tão explicita, mas descrevia que o rapaz e
seu namorado haviam sido sequestrados e torturados por uma gangue. Lembrava que
o garoto na foto havia morrido devido aos ferimentos e o namorado ainda estava
no hospital, cego de um olho, os médicos convencidos de ele que ficaria
paraplégico para o resto da vida. Sentiu a tensão nos ombros onde se apoiava,
Sherlock logo descendo a página e dedicando-se a ler o texto que acompanhava a
foto desagradável.
- Arquivos da polícia?
- Deep web. - Respondeu simplesmente o detetive. - Localizei um
fórum, onde um grupo que se intitula Filhos de Fenrir estão se gabando
de serem os responsáveis pelos crimes... Pode-se dizer que o discurso deles é bem
inflamado. - Concluiu, olhando de perfil para o namorado.
O médico sentiu-se enjoar, pensando em tudo que já vira pessoas escreverem
na internet comum, todo o ódio destilado devido à covarde segurança do
anonimato, e decidiu que não queria descobrir o que eles diziam quando se
sentiam seguros em seu próprio meio.
- Já avisou a Lestrade? - Perguntou, mesmo sabendo a resposta.
- Ainda é cedo para isso. - Concluiu o detetive, fechando o laptop e
levantando-se. - Preciso investigar mais a fundo antes de chegar a qualquer
conclusão.
- Apenas tome cuidado, ok? Tente não se colocar em situações de perigo
dessa vez.
A voz de Watson soou profundamente preocupada, seus grandes olhos
castanhos focados diretamente nos do namorado, transmitindo seu medo pela
segurança do outro. Sherlock abriu um meio sorriso sarcástico.
- Não seria a primeira vez que os criminosos que eu investigo
tentariam me matar, John. - Falou, fazendo pouco caso da preocupação do outro.
- Recebo duas ameaças de morte por semana, só em comentários no seu blog.
- Sim, mas nesse caso é diferente. - Começou o médico, sentindo-se
desconfortável com a incomum sensação de medo que lhe pesava no peito. - Esses
caras são movidos por um ódio irracional e estão dispostos a destruir qualquer
um que não compartilhe das opiniões deles.
- E isso só os coloca em um nível particularmente alto de estupidez. -
O detetive falou, acariciando o rosto do namorado com uma das mãos, enquanto
lhe olhava de forma amorosa, em uma demonstração de sentimentos que raramente
se permitia. Sorriu satisfeito ao perceber que atingira o efeito desejado, conseguindo
tranquilizá-lo.
- Agora vamos, doutor, recomponha-se. – Falou com carinhosa ironia,
afastando-se um pouco. - Temos que nos arrumar depressa. - Disse, começando a caminhar
para fora da sala.
- E para onde nós vamos, detetive consultor? Se é que eu posso saber?
- Retrucou, sentindo-se menos apreensivo, imitando o tom do mais novo.
- Descobri que nossos “amigos” se reunirão essa noite. Uma espécie de
festa em um complexo industrial abandonado que aparentemente vai juntar boa parte
dos nazistas radicais e extremistas de Londres. - Respondeu simplesmente, como
se divertisse com a ideia.
- Você, claro, planeja que nos infiltremos sozinhos neste magnífico
evento, sem qualquer plano de apoio? - Watson tentou imitar o tom despreocupado,
mas falhou. Incrédulo pela plena ausência do extinto de autopreservação em seu
namorado.
- Você conhece meus métodos, quanto menos gente souber melhor... O que
foi? Com medo de não conseguir se passar por hétero por apenas uma noite,
doutor? - Provocou com um sorriso cínico, tentando distraí-lo de suas
preocupações.
Percebeu que havia atingido seu objetivo ao assistir o ruivo abrir um
meio-sorriso e erguer uma sobrancelha em descrença.
- Já se olhou no espelho, Holmes? Eu sou um ex-capitão do exército,
ruivo e barbudo, o epítome do macho moderno. - Falou, estufando o peito de modo
enaltecer seu ponto e arrancando uma risada incrédula do detetive. - É com você
que me preocupo. – Provocou de volta, aceitando o jogo. – Tão magro e com
cachinhos perfeitos, todo delicado... Ainda mais quando coloca o sobretudo
preto e o scarf. -Concluiu, sabendo o
quanto mais novo detestava ter seu jeito de vestir criticado.
- Felizmente, para nós dois, eu sou um mestre nos disfarces. –
Retrucou o moreno, piscando um dos olhos e virando-se para finalmente entrar em
seu quarto.
- E o prêmio de frase mais gay da noite vai para... - Watson ainda
teve tempo de implicar, rindo alto ao assistir o moreno erguer o dedo de meio,
antes de fechar a porta.
Menos de meia hora depois os dois estavam de saída de seu apartamento
na rua Baker, nº 221B. Watson vestia-se normalmente, com uma calça jeans
escura, camisa verde, jaqueta camuflada e um sapato marrom de bico largo. A
surpresa ficava por conta de Sherlock, totalmente irreconhecível. Os cachos,
tão duramente criticados, estavam escondidos por uma touca de lã cinza chumbo,
vestia uma calça larga jeans clara, uma camisa no mesmo tom do gorro, com uma
estampa abstrata em branco na frente, uma jaqueta de couro de aparência muito
usada, que o faziam parecer ter mais corpo, e coturnos. Ninguém deveria ser
capaz de reconhecê-lo.
Pegaram o metrô e um ônibus para chegarem ao local do evento, descendo
em uma rua mal iluminada, com diversas fábricas abandonadas, os muros pichados
e as cercas partidas em diversos pontos. Mesmo da rua conseguiam ouvir o eco da
musica eletrônica vindo de um dos galpões mais a frente. Seguiram em silêncio,
sentindo o ar fétido arranhar suas gargantas quando respiravam.
Logo localizaram o evento. Jovens das mais diversas idades
perambulavam pelo local, bebendo e usando drogas, alguns grupos formavam rodas
e brigavam entre si, pulando e se atracando no ritmo pesado das musicas.
Grandes telões exibiam imagens de mulheres seminuas, símbolos nazistas e vídeos
dos crimes que haviam sido noticiados.
Sem chamar qualquer atenção, a dupla caminhou para uma barraca na
lateral do galpão, onde se vendiam bebidas. Sherlock apoiou-se na lateral da
barraca e sinalizou com a mão pedindo uma cerveja, que foi prontamente colocada
a sua frente por uma garota que provavelmente não tinha idade para consumir
álcool, vestida com uma calça jeans justíssima e um top apertado, que acentuava
seus seios.
- Se você se comportar direito, posso te dar uma cerveja grátis até o
fim da noite. - A garota provocou, segurando a mão dele quando ele lhe deu o
dinheiro, abrindo um sorriso vulgar.
Sherlock abriu um meio sorriso sacana e levantou uma das sobrancelhas,
segurando-a pelo pulso e puxando-a sem muita delicadeza, para sussurrar lhe no
ouvido:
- E se eu não me comportar?
- Então talvez eu te dê algo mais interessante. – Respondeu, piscando
um dos olhos de um jeito que julgava sexy, antes de ir atender outra pessoa.
Watson assistia a cena pelo canto do olho, apoiado ao lado do moreno,
mas com as costas voltadas para o balcão, avaliando o ambiente ao redor, usando
sua experiência militar para localizar possíveis rotas de fuga e objetos que
poderia usar como arma para se defender caso necessário. Sentiu vontade de rir ao ver o efeito que o
detetive consultor causara na pobre garota.
- O senhor é um perfeito canalha, Sherlock Holmes! – Falou, se valendo
da musica alta para que não fosse ouvido e riu ao ver a sombra de um meio
sorriso cínico no rosto do outro.
Voltaram a andar pelo galpão, até se posicionarem em um canto mais
discreto no local, um do lado do outro, sem se encostarem, cada qual com uma
garrafa de cerveja na mão. Daquele ponto tinham uma ótima visão de todo o
perímetro do evento e especialmente de uma área especial, um pouco mais
elevada, onde se encontrava reunida a gangue que se dizia responsável pelos
crimes.
Após algum tempo sem se comunicarem, o médico decidiu externar suas
dúvidas, suas costas começando a doer devido à tensão de passarem tanto tempo
naquele local.
- Muito bem, Sherlock, já achamos os culpados, por que ainda estamos
aqui?
- Por que, meu caro? Isso é óbvio, não? – Perguntou olhando de canto
para o namorado e revirou os olhos ao perceber que ele não conseguira
acompanhar seu raciocínio. – Observe bem este lugar, Watson... – Começou a
falar lentamente, suprimindo um sorriso por saber o quanto aquele tom o irritava.
– Veja toda esta estrutura, caixas de som, telões, as luzes... – O ruivo acenou
negativamente com a cabeça, indicando ainda não entender e Sherlock bufou. –
Tudo isto custa dinheiro, John, muito dinheiro! Ninguém pagou para entrar aqui,
a bebida é a preço de custo, o que significa que... – Interrompeu sua fala,
dando a chance para que o namorado chegasse à conclusão por conta própria.
- Tem alguém financiando tudo isso! – Exclamou o médico, seu olhos
arregalando-se de forma incrédula diante da constatação. – Mas quem... Como...
Digo, por que alguém faria isso?
- “Por quê?” de fato? – O detetive repetiu a pergunta, antes de tomar
um longo gole da cerveja em sua mão. – Tem alguém financiando todo esse ódio,
incentivando o comportamento bestial dessas pessoas e fazendo com que os
idiotas pratiquem o genocídio que eles desejam. Não, Watson, a pergunta não é “por
quê?”, mas “quem?”! E é exatamente isso que eu pretendo descobrir. – Concluiu,
tomando mais um gole da bebida, antes de se enfiar no meio da multidão, abrindo
caminho na direção da gangue.
O ruivo sentiu seu coração falhar ao ver para onde o namorado se
dirigia, ciente que um dia aquele comportamento inconsequente ainda iria
matá-los. Porém deu de ombros e o seguiu.
Tão logo chegaram na grade de metal que separava os “homenageados” dos
demais, Sherlock ergueu sua garrafa, berrando em um tom ébrio:
- Um brinde aos Filhos de Fenrir! – Tomou mais um longo gole de sua
bebida, escondendo um sorriso de satisfação ao notar que conseguira a atenção
do grupo.
Tendo finalmente conseguido alcançar o namorado, Watson ficou
paralisado ao seu lado, notando que todo o grupo os encarava. Voltando a
respirar e só então notando que havia prendido a respiração, quando os homens
começaram a rir.
- Quem é você? Não me lembro de já ter te visto antes.- Falou um
enorme homem loiro, olhando desconfiado para Sherlock enquanto coçava sua
espessa barba.
- Edgar Wrad. – Respondeu Sherlock, tomando mais um gole de cerveja,
antes de abrir um sorriso frouxo. – Eu passei uns meses na cadeia e quando me
liberaram, semana passada, uns velhos amigos me falaram do serviço que vocês
vinham prestando a comunidade. – Dizia em um tom relaxado, a voz pastosa de
quem já bebera muito mais do que deveria. - Então eu decidi que eu tinha que
vir aqui e pagar uma bebida pra vocês.
- T’aí, gostei de você, Ed. – Falou o loiro de quase dois metros,
depois de dar uma forte gargalhada. – Aê, a próxima rodada é por conta do Ed! –
Exclamou, sua voz grossa se fazendo ouvir por todos os membros da gangue ao seu
redor, mesmo por cima da musica alta.
O grupo devia ter 15 homens ao todo, que ergueram seus braços e garrafas,
enquanto davam diferentes gritos de aprovação.
- E esse ruivo ai do teu lado, Ed? – Perguntou um outro homem, careca
e com um cavanhaque longo, apontando para Watson. – É teu namorado, é? –
Provocou, arrancando novas risadas embriagadas de seus companheiros.
O doutor, que se mantinha sério, tentando passar despercebido, sentiu
uma gota de suor frio se formar em sua testa e correr pela lateral de seu rosto
ao ouvir a brincadeira. Arregalou os olhos em surpresa, quando sentiu Sherlock
envolver seus ombros com um dos braços, depositando quase todo o peso em cima
dele.
- Esse cara aqui? – Perguntou o consultor detetive, apontando para ele
com o dedo indicador da mão que ainda segurava a garrafa de cerveja, um silêncio
tomando o grupo enquanto esperavam a resposta. – Esse cara é o meu irmão de
outra mãe! - Exclamou o moreno, tomando mais um longo gole de cerveja antes de
voltar a falar. – Três-Continentes-Watson, sim, senhor! O cara é um
ex-fuzileiro, que serviu no Afeganistão por quatro anos. – Sherlock continuou a
falar em tom alto e Watson abriu um meio sorriso, passando um dos braços pelo
ombro do detetive também. - Entre matar um terrorista filho da puta ou outro, dizem
que ele comeu mais mulher do que todos nós juntos! – Finalizou, erguendo a
garrafa como se brindasse novamente, dando gargalhadas, no que foi acompanhado
pela maior parte dos homens em cima do palco.
Sabia o que o detetive consultor estava fazendo, uma mentira permeada
de verdades era muito mais fácil de manter e seu sobrenome era tão comum que
nem precisava ser escondido, já que seu rosto não era conhecido como o do amigo.
Ainda sim o médico riu, vendo como todos aqueles criminosos pareciam engolir
todas as mentiras que seu namorado jogava sobre eles, enquanto sentiam-se
intocáveis naquele lugar, sendo saudados como heróis pelos crimes que
cometeram. Aquilo fazia seu estomago embrulhar, o desgosto que o incomodava
desde o momento que entrou naquele ambiente se misturando com uma fúria
causticante, impelindo-o para cima daqueles homens. Sentiu a mão de Sherlock apertar
discretamente seu ombro e respirou fundo, controlando-se.
- Gostei de você, Ed, é engraçado. Subam aqui e juntem-se a gente! –
Falou o líder da gangue, tendo suas palavras aplaudidas pelo resto do grupo.
Permaneceram ainda mais três horas no local, Watson procurando falar o
mínimo possível e rindo de vez em quando, para não provocar qualquer
desconfiança. Não que precisasse realmente se preocupar, de fato toda a atenção
era depositada em Sherlock, que apesar da personalidade arrogante e antissocial,
sempre sabia como agir para cativar qualquer público. Quando finalmente se
retiraram do local o sol já estava prestes a nascer e o líder, que descobriram
se chamar Erick, só os deixara sair depois de fazer o moreno jurar que os
encontraria na semana seguinte, em um bar.
De volta a rua Baker, tudo que o ruivo queria era um longo banho e
algumas horas de sono, sentia-se exausto depois de passar a noite em um
ambiente tão repleto de ignorância, em que todas as espécies de preconceitos
eram aplaudidos. Subiu as escadas se arrastando degrau a degrau, ouvindo os
passos do namorado logo atrás. Sentiu o moreno colar o corpo, alto e magro, ao
seu, assim que encaixou a chave na fechadura, as mãos longas acariciando as
laterais de seu corpo, enquanto girava a chave e abria a porta. Entraram no
apartamento com passos trôpegos, sem que o outro o soltasse e tão logo ouviu o
som da porta se fechando, foi jogado contra ela. Abriu um meio sorriso sacana,
vendo o mais novo percorrer todo o seu corpo com o olhar, antes de sorrir como
um gato que encurralou a presa e então voltar a unir seus corpos, sua boca
dedicando-se a criar um caminho de beijos no pescoço do amado.
- Hmmm. –John gemeu baixinho diante das caricias, fechando os olhos em
satisfação, fazendo com que Sherlock mordiscasse a junção de seu pescoço e
ombro. Dando então uma pequena risadinha que chamou a atenção do maior, que
parou de provocá-lo. – Como descobriu sobre “Três Continentes Watson”? –
Perguntou em voz baixa, sem se mover, desejando que o outro continuasse o que
estava fazendo.
Sherlock riu de modo similar ao dele, fazendo um novo caminho de
beijos e mordidas até a orelha do namorado, onde respondeu em um tom
sussurrante, de modo pretensioso:
- Melhor e único detetive consultor do mundo.
O médico riu um pouco mais alto, abraçando-o com força. Então guiou
uma das mãos para o final de das costas dele, enquanto a outra se fechou nos
cachos negros, já libertos da touca ridícula. Puxou o namorado para trás,
forçando-o a encará-lo.
- Nada me tira da cabeça que aquele loiro troglodita se apaixonou por
você. – Provocou, fingindo ciúmes.
Sherlock riu do modo frio e desinteressado que lhe era habitual,
deixando um novo sorriso presunçoso surgir em seus lábios.
- Azar o dele, eu gosto de ruivos baixinhos. – Respondeu em um tom
rouco, com um brilho malicioso nos olhos escuros, enquanto acariciava a
bochecha esquerda do namorado com o polegar.
- RuivoS, no plural, é? – Questionou num tom baixo e perigoso,
puxando mais um pouco os cabelos do outro e rindo ao vê-lo morder o lábio inferior.
– O senhor é um perfeito canalha, Sherlock Holmes.
Reproduziu o que dissera mais cedo, vendo o mesmo sorriso sacana
surgir nos lábios do consultor detetive, que não parecia nem um pouco inclinado
a se defender da acusação. Finalmente, puxou o namorado em sua direção,
sentindo seu autocontrole ruir, unindo suas bocas em um beijo intenso.
Durante a semana seguinte o detetive permaneceu anormalmente focado
naquele caso, estudando todos os arquivos que Lestrade o enviara e passando
horas nos recantos mais escusos da deep web em busca de novas
informações. No dia do segundo encontro com os Filhos de Fenrir, tiveram uma
longa discussão, já que o mais novo havia decidido que iria sozinho e Watson
não conseguia conceber deixar o namorado encontrá-los desprotegido. Porém, por
fim, Sherlock conseguiu convencê-lo.
Nas três semanas subsequentes ele tivera vários encontros com a gangue,
permitindo que John o acompanhasse apenas em alguns deles. O médico sentia-se
cada vez mais tenso ao assistir o quanto o namorado estava se aprofundando
naquele perigoso meio, temia que em algum momento alguém o reconhecesse, que
descobrissem quem ele realmente era, seu relacionamento e então visse a morte
dele estampada em todos os jornais como mais uma vítima.
Sentia sua cabeça doer, sem conseguir desligar sua mente daqueles
pensamentos enquanto preparava um pouco de chá para si. Havia sido dispensado mais
cedo do hospital. Seu chefe percebera seu estado e preferiu lhe dar o fim do
dia de folga do que arriscar que cometesse algum erro e acabasse matando um dos
pacientes. Estava sentado em sua poltrona, aguardando o apito da chaleira
quando viu o namorado adentrar o apartamento que dividiam parecendo enfurecido,
fechando a porta com força.
Conhecendo o temperamento dele, optou por ficar em silêncio, vendo-o
se jogar na poltrona ao seu lado, parecendo ter sido drenado e então tatear a
lateral do móvel, até encontrar o violino. Sem olhar para John ou emitir
qualquer som, posicionou o violino de baixo do queixo e começou a arranhar as
cordas, criando uma melodia lúgubre.
Respeitando o momento do mais novo, John Watson permaneceu quieto,
enquanto preparava o chá para ambos. Depositou uma xícara em frente ao namorado
e retornou ao seu lugar, ouvindo a musica ecoar no apartamento até que ele
decidiu se abrir:
- Idiotas, John, os maiores e mais inúteis idiotas de todo o maldito
universo. – Ele falou, a voz transmitindo uma fúria que assustou o médico. –
Todo esse tempo, todos esses dias, o mais completo e total desperdício! –
Exclamou, soltando o violino de volta em sua caixa sem qualquer cuidado. –
Finalmente eu descobri como o desgraçado Erick escolhe suas vítimas e você
simplesmente não vai acreditar! – Continuou falando, agora olhando diretamente
para o namorado e Watson teve a impressão de que a raiva do outro queimava
dentro de si. – Por simples mensagens! Exatamente isso que você ouviu, SMS’s
no celular! O infeliz nunca teve a maldita curiosidade em tentar descobrir quem
ordena as execuções, ele simplesmente recebe as informações e ordena que seus
homens executem. São pagos pelo serviço e isso o deixa satisfeito. – Sherlock
parou por um instante, respirando fundo e massageando as têmporas com as pontas
dos dedos, como se não conseguisse ainda acreditar. – A pior parte é que o
maldito número é confidencial! Estou tentando hackear a linha que o mandante
usa para se comunicar com eles há três dias!
- Bem, Sherlock, talvez seja a hora de pedir a ajuda da Scotland Yard?
– Perguntou de modo suave, sabendo o quanto ele detestava admitir que precisava
de ajuda, e temendo o efeito de suas palavras no detetive temperamental, agora
que ele finalmente resolvera se abrir.
- Se nem mesmo eu consegui invadir esse sistema, você realmente
acredita que os idiotas da Yard terão alguma chance? – Foi a resposta do
consultor detetive, após dar uma risada rouca e sem humor. O ambiente tornou a
cair em um profundo silêncio por alguns instantes, então ele voltou a falar: -
Preciso ligar para Lestrade de qualquer forma, os desgraçados pretendem fazer
mais uma vítima amanhã a noite e o inspetor poderá prendê-los em flagrante. –
Concluiu o detetive, ainda parecendo contrariado.
- Confesso que é um alívio ouvir isso. Mas, Sherlock, com todos presos
como fará para descobrir o mandante?
- Terei de encontrar outro meio, John. Esses “homens”, ou o que quer que
se possa chamar aquelas criaturas bestiais, não sabem e nunca vão saber a identidade
do mandante, não passam de idiotas bitolados, peões inúteis, massa de manobra,
completamente descartáveis...
- Ok, ok, entendi! Você fica incrivelmente prolixo quando irritado. –
Implicou o doutor, tentando aliviar o clima do ambiente, mas recebeu um olhar
cortante em retorno.
- Vou ligar para Lestrade e organizar tudo. Será um pequeno consolo
vê-los sendo preso depois de todas as barbaridades que fui obrigado a escutar e
proferir nos últimos dias.
Foram longas horas no telefone com o detetive inspetor para que todos
os detalhes do flagrante fossem organizados. Em seguida Sherlock chamou o
namorado e lhe explicou seu plano, sabendo que John seria contra, mas que o
ajudaria mesmo assim.
Sherlock voltara a agir do modo frio e desinteressado que lhe era
habitual, parecendo achar tudo que iria acontecer dali para frente entediante,
mas John era incapaz de compartilhar da tranquilidade do namorado, sentia as
batidas rápidas de seu coração ecoando em seus ouvidos, suas costas estavam
completamente tensas e era necessário todo o seu autocontrole para que não
tremesse. Se qualquer coisa, se algum mínimo detalhe no plano falhasse, se a
gangue escapasse, se apenas um deles escapasse, significaria uma enorme ameaça à
vida de Sherlock, a maior que podia vislumbrar desde a derrota de Moriarty,
porque desde então nenhum outro rival cultivara verdadeiro ódio pelo detetive
consultor.
No fim da tarde seguinte, Sherlock estava em um beco, disfarçado de
Edgar Wrad, acompanhado do mesmo homem careca que perguntara sua relação com
Watson na noite em que aceitara o caso.
- Então aonde vamos pegar o viadinho? – Falou, fingindo ansiedade,
enquanto abria um sorriso cruel.
- Ela vai passar por aqui logo, logo. – Falou o criminoso, sua voz
pastosa e desagradável, também rindo cruelmente. – Fique atento quando o sinal
tocar. – Falou, apontando para um colégio no fim da rua.
Sherlock sentiu o coração falhar uma batida, não haviam lhe dito quem
seria a nova vítima do grupo até então, mas não passara por sua cabeça ser uma
criança. Pensou em atacar o homem repulsivo ao seu lado, sabia que conseguiria
derrubá-lo facilmente, mas não podia. Isso iria acabar com tudo que planejara e
apenas um criminoso seria preso ao invés de toda a gangue.
- Olha ali. – Ouviu-o dizer e viu que ele indicava um garoto que se
aproximava.
- ‘Tá de sacanagem? É só um moleque! – Falou o detetive, tentando
manter o personagem apesar da sua surpresa.
O menino não devia ter mais de 14 anos e Sherlock duvidava que tivesse
qualquer certeza sobre sua sexualidade. Porém sabia que nada disso importava, o
corpo muito magro, a pele branca, os cabelos escuros e bagunçados, em um corte
moderno, e os grandes olhos verdes, tudo no garoto transmitia fragilidade e
aquilo era suficiente para que fosse alvo de preconceitos. Sentiu um nó se
formar em sua garganta, incapaz de não se identificar. Quase foi tragado para
as tristes memórias de seu passado, até que ouviu o careca dar uma risada
repulsiva ao seu lado.
- É uma bichinha, isso sim. Olha o jeitinho de andar, aquela cara de
menina, a melhor coisa é acabar com eles nessa idade, antes que comecem a
seduzir os outros garotos e transformá-los em viados que nem eles. – Terminou
de falar estalando os punhos, antes de sinalizar que deviam se mover.
O detetive consultor chegou a fechar o punho antes de conseguir se
controlar, quase incapaz de acreditar no que ouvia. Não que qualquer palavra
daquelas fosse novidade, mas uma raiva profunda queimou em seu interior na
constatação de que aquele homem tinha tantos problemas com a própria
sexualidade, que tinha necessidade de reprimir a dos outros.
Respirou fundo, antes de acompanhá-lo, assistiu quando o careca puxou
o garoto pelo braço e lhe deu um soco no estomago, tirando-lhe o ar e fazendo
com que ficasse sem reação. Ainda não estava totalmente escuro e havia
movimento na rua, aquele beco não era nem tão escondido assim, Sherlock sabia
que alguém devia tê-los visto, sabia que alguém poderia intervir ou ao menos
ligar para a polícia e então impedi-los. Porém também sabia que a maior parte
das pessoas era muito egoísta para se importar, que prefeririam ignorar e se
manterem seguras do que pensar no outro. Foi sentindo o sabor da bile no fundo
de sua garganta, que Sherlock ajudou o maldito criminoso a amarrar os braços e
pernas do garoto, antes de jogá-lo na garupa da moto.
Olhou discretamente para o seu celular, satisfeito em constatar a
bateria cheia, antes de subir na moto que providenciara para si, e sinalizar
que podiam ir. Satisfeito em saber que aqueles homens não poderiam voltar a
ferir alguém depois daquela noite.
Perdido em pensamentos, Watson não viu a paisagem mudar, os grandes
prédios de Londres sendo gradualmente substituídos por casas mais humildes e em
mau estado de conservação. Apenas despertou ao sentir a viatura parar e então
percebeu que estava escondido em um beco próximo a uma parte abandonada da
margem do Tamisa. Lestrade, ao seu lado, também estava tenso e apreensivo,
enquanto esperavam a chegada dos criminosos.
Poucos instantes se passaram, até que ouviram o som das motos e as
luzes dos faróis iluminando o local decadente. Os Filhos de Fenrir assumiram a
margem do rio como se fossem os donos do local, Watson logo localizou Sherlock
no meio deles. Lembrou-se do careca que parou sua moto, desamarrou o que
parecia uma trouxa da parte de trás dela e jogou-a no meio do círculo. Então
percebeu que aquele embrulho se mexia e um pequeno garoto surgiu por entre os
panos, fazendo com que o médico sentisse seu estomago se revirar.
Mesmo da distância em que estavam era possível perceber que ele
tremia, movendo sua cabeça em todas as direções, na esperança de encontrar
alguma ajuda, mas vendo-se apenas cercado por aquelas bestas em roupas de
motoqueiros, que gritavam palavras de ódio e descreviam as torturas que fariam
com ele. Até então o garoto parecia ter sofrido algumas agressões, mas nada realmente
grave. Logo o enorme líder loiro se destacou, adentrando o círculo que o grupo
fizera com as motos e indo na direção do garoto de punho fechado, com um soco
inglês encaixado na mão.
O garoto gritou, antecipando a dor do golpe e foi o suficiente para
que Lestrade não pudesse mais esperar. Ligou a viatura, fazendo soar a sirene,
sinalizando para toda a equipe escondia nas proximidades e logo a gangue estava
cercada pelos policiais da Scotland Yard. Eles ficaram atônitos, sem saber como
reagir à armadilha. Alguns tentaram subir em suas motos e fugir, mas bastou que
um dos policiais disparasse dois tiros para cima e desistiram da ideia.
- Filhos de Fenrir, vocês estão cercados. – A voz de Lestrade ecoou
pelo autofalante, fazendo com que Sherlock e Watson, trocassem um olhar
vitorioso. Os policiais assumindo posição para reagir a qualquer tentativa de
fuga. - Estão todos presos, acusados de serem os responsáveis pelo assassinato
de seis pessoas nos últimos quatro meses e de provocarem lesões graves em outras
nove. Permaneçam calados e não tentem resistir, pois tudo que disserem poderá
ser usado contra vocês no tribunal. – Ao final das palavras de Lestrade, os
agentes começaram a realizar a condução dos presos para o camburão.
Sherlock finalmente se moveu, correndo até o pequeno garoto em choque,
pegou-o no colo e o levou até a ambulância que também fora convocada para a
emboscada, sentindo um peso sumir de seus ombros ao entregar a criança aos
paramédicos, vendo-a finalmente segura.
O líder tentou resistir à prisão, se valendo de seu tamanho, mas foi
sobrepujado por dois policiais e colocado de joelhos, com o rosto prensado
contra o chão, enquanto era algemado. E foi dessa posição que assistiu os atos
do consultor detetive.
- Ed? – Sua voz rouca ecoou pelo local, chamando a atenção dos outros
membros da gangue, já devidamente subjugados, e de todos os policiais
presentes. – Que porra é essa, Ed?! – Embora um ódio doentio queimasse nos
olhos azuis do homem, a confusão era clara em sua expressão, sem que isso a
tornasse menos assustadora.
Porém o detetive não demonstrou qualquer medo, na verdade, naquele
instante a sua face era a mais perfeita máscara de frio desprezo. Andou até o
namorado e entrelaçou sua mão com a dele, tomando o cuidado de se posicionar de
modo que fossem bem iluminados pelos faróis. Então falou, com um tão frio e
venenoso que parecia queimar:
- Seu pequeno cérebro inútil não consegue entender nem mesmo isso, não
é? Não existe nenhum Edgar Wrad. – Deu uma curta risada sinistra, sem qualquer
humor, vendo a confusão no rosto do criminoso. – Eu sou Sherlock Holmes.
Sorriu com cruel prazer vendo as reações dos criminosos ao seu nome. Em
seguida puxou John Watson contra si, abraçando-o firmemente e depositando um
longo beijo em seus lábios, sem se importar com as pessoas ao redor. Quando se
separaram, tornou a falar:
- E bem viado, eu devo acrescentar. – Manteve o tom ferino, sem se
importar em voltar a olhar pra o loiro, trocando um sorriso sarcástico com o
namorado, que sentia prazer em ajudá-lo a tripudiar sua vitória.
Suas palavras e ações arrancaram um grito de ódio insano do criminoso,
que urrou as mais diversas ameaças de vingança enquanto era arrastado para
junto do resto da gangue.
- Já chega! – Bradou Lestrade, batendo com força a porta do camburão. Olhando
com puro desprezo para o grupo, antes de sinalizar que podiam levá-los.
O caminho de volta para rua Baker foi leve, todos sentiam-se bem
consigo mesmos, sabendo que haviam conseguido prender os criminosos que vinham
aterrorizando a metrópole e satisfeitos em pensar que pelo menos aquele grupo
não faria mais vítimas.
- Parabéns pelo bom trabalho, Sherlock. Foi uma brilhante ideia usar o
GPS do celular para nos dizer quando chegariam. – Lestrade falou animado, olhando
para o casal pelo retrovisor enquanto dirigia.
O consultor detetive estava recostado contra o banco, fazendo carinho
no cabelo do namorado que estava praticamente deitado contra si, com as costas
coladas em seu peito.
- Obrigado, Lestrade, mas essa foi apenas uma pequena peça do
quebra-cabeça. – Respondeu de modo amigável, deixando de lado, ao menos naquele
momento, seu jeito frio.
O inspetor de polícia torceu os lábios e apertou as mãos no volante em
desagrado, sabendo que o moreno estava certo.
- Bem, qual será o próximo passo para pegá-los, Sherlock?
Sentindo-se totalmente confortável com o peso de John sobre si e o
cheiro dele ao seu redor, de olhos fechados e quase caindo no sono, Sherlock
abriu um meio sorriso esperto, para então responder:
- É como dizem, Lestrade... O jogo continua.
Fim?
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