Nunca
sentira aquele sabor, era doce, aguado, forte o suficiente para viciá-lo e
fraco de mais para satisfazê-lo, tinha gosto de plenitude e ele precisava de
mais. Consumiu toda a fruta com voracidade, engolindo até os brancos caroços em
seu interior, lambia do sumo rubro que ficara nas mãos, quando ouviu a risada
suave dela, a criatura que lhe oferecera o fruto.
Ajoelhou-se
para pegar um novo pomo do chão. O comeu inteiro, ignorando a terra que o
sujava, precisava de mais. A criatura se ajoelhou em frente a ele, fazendo-o
pensar que não deveria sujar o etéreo vestido que a cobria, ela era assustadoramente
inumana e belíssima.
Tinha
mais altura do que ele, mais altura que qualquer mulher que já tivesse conhecido
de perto, muito magra, pálida como se não corresse sangue em suas veias, os
olhos eram como duas contas verdes escuro, brilhantes, não havia pupila, como
os olhos de um pássaro. O rosto tinha traços inumanamente finos, e a boca de
cor negra era grande de mais para ele, num sorriso mordaz que parecia lhe
rasgar as bochechas, com dentes muito brancos e afiados à mostra. Os cabelos
longos, vermelhos e lisos, eram cortados pelas pontas de grandes orelhas pontudas,
mas o que mais chocava em sua aparência eram as asas, imensas asas de
borboleta, azuis turquesa, com pequenos pontos pretos e prateados, que seriam
capazes de cobri-la completamente.
A criatura
pegou a barra do vestido negro que usava e limpou seu rosto sujo de terra com
ele, o toque do tecido parecia com o que se sentia ao atravessar a neblina,
úmido e frio. A criatura cheirava a orvalho.
Ela
riu, seu riso era frio, e quando falou sua voz era como o som de um pequeno e
delicado sino:
- Está
todo sujo, pobrezinho. Está perdido? – Apesar das palavras gentis, ela soava
irônica.
Ele era
um homem de estatura mediana, moreno, olhos castanhos claros, escondidos por
óculos, cabelos negros e lisos, um pouco mais longos do que deveriam devido a
sua preguiça de cortá-los. Não tinha nenhuma beleza especial, mas também não
era feio, era apenas um homem comum. Um homem comum que jamais deveria ter
aceitado aquele convite, agora seus olhos estavam opacos, ele se esquecera de
quem era e só conseguia pensar em uma coisa:
- Mais,
eu preciso de mais! – Seu tom era choroso. Ele implorava, necessitava daquele
sabor como de uma droga, sentia-se especial ao provar a misteriosa fruta.
A
criatura riu cruelmente de seu desespero, tirando outra fruta de um local que
ele não soube identificar, parecia uma maçã, mas a casca lustrosa era
completamente negra e por dentro era rubra como sangue. Ela lhe atirou a nova
fruta e ele pode senti-la quente em suas mãos, como um ser vivo. Mordeu o fruto
sofregamente e mastigou o quanto pode, aproveitando os efeitos daquele sabor,
sentindo-se extasiado. Engoliu outro pedaço antes de perguntar:
- Quem
é você?
- Quem
é você? - Ela perguntou de volta.
O homem
parou por um instante, mordendo mais um pedaço da fruta e percebeu que não se
lembrava. Mas tudo bem, não havia problemas, nada poderia assustá-lo enquanto
aquele sabor persistisse em sua boca. Deu de ombros, dizendo que não sabia,
fazendo a criatura gargalhar.
- De
onde você vem?
Novamente,
ele não sabia a resposta, não se lembrava, não sabia ao menos como chegara ali
e não se importava, tudo que queria era a sensação que tinha a cada pedaço, mas
o terceiro fruto tinha chegado ao fim.
- Mais.
– Foi tudo que conseguiu dizer. Sentindo seu sangue correr rápido e quente por
suas veias, que pareciam movimentarem-se por sob a pele. Sentia-se forte e
poderoso, nunca havia se sentido assim antes, nunca mais queria deixar de se
sentir daquele jeito.
- Não
tem mais. – Disse a criatura, cruelmente, rindo da careta de desespero que se
apoderou da face mortal.
- Eu
preciso de mais! – Ele gritou. Se levantou, sentindo seu cérebro queimar ao
processar aquela informação; a sensação acabaria, tudo acabaria, sua força
acabaria, se ele não conseguisse mais daquele sabor.
- Não
tem mais. – Ela repetiu com uma voz falha, como estivesse se controlando para
não gargalhar.
- Eu
quero mais! Me dê mais! – Ele gritava, andando cambaleante em direção a
criatura que ria com sua dor.
- Não
tem mais. – Ela falou uma ultima vez, entre gargalhadas, enquanto corria para
dentro da mata escura, que rodeava a clareira onde antes estavam.
Ele
começou a persegui-la, em desespero, se embrenhando mais e mais na mata enquanto
seguia o som das risadas. Galhos e vinhas se enroscavam em seu corpo e
provocavam pequenos arranhões em seus braços e rosto. Vez o outra podia sentir
a dor de um espinho cravando com mais força e rasgando suas calças sociais,
chegando a perfurar a pele, mas não importava. Nada disso importava, deixaria
de sentir dor assim que a pegasse, assim que conseguisse alcançar aquela
criatura e recebesse novas maçãs negras.
Corria
ignorando as dores no corpo, ignorando o espaço em volta, seguindo apenas a
risada. Quando a viu parada a sua frente, se contorcendo de tanto rir, as asas
batendo rapidamente, ele não hesitou em correr na direção dela até sentir o
chão faltar e o impulso da queda. Um penhasco, a maldita criatura estava voando
sobre ele e estava escuro de mais para que o homem o percebesse. Mesmo que não
estivesse, ele estava obcecado de mais pelo gosto para perceber.
Enquanto
caia, cercado pela risada feroz da criatura, que parecia envolvê-lo em espiral,
retardando a queda e seu momento final ao máximo, ele se lembrou de como
chegara ali.
Momentos
antes na mesma noite, ele estava numa exposição, era um biólogo dedicado ao
estudo de insetos. Observava um quadro onde era exibida sua grande descoberta,
que o tornaria muito rico e famoso. O corpo de uma enorme borboleta colorida,
jamais antes vista e que tivera a sorte de pegar em sua rede, pregado
caprichosamente sobre um fundo negro que destacava suas cores. Quando foi
abordado por uma bela ruiva, usando um provocante vestido negro.
- Então
o senhor é o famoso pesquisador? – Ela falou com uma voz suave, um sorriso
delicado adornando o rosto de traços aparentemente orientais.
- Eu
não diria famoso. – Respondeu, sentindo-se nervoso por falar com uma mulher tão
bonita.
Ela riu
de leve, docemente, mas seus olhos emitiram um brilho sinistro quando ela lhe
perguntou.
- Você
acredita em fadas?
Fim.
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