quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A Donzela.

Seu corpo era a terra, seus cabelos como os cipós, os olhos eram pedras preciosas. A vida em seu interior era o fogo, alimentado pelo sopro do ar e a água fluía em seu interior e exterior, renovando-se de maneira continua. Vivia em meio à natureza e a natureza nela vivia.

         Era capaz de ouvir a voz dos elementos, entendia a linguagem das plantas e dos animais. Sentia-se renascer com o raiar do sol e ser abraçada pela luz da lua a cada anoitecer.

         Tinha tudo, pois não tinha nada. Ela e os seus apenas pegavam o que precisavam, sem exageros, sem posses. Sem dor ou desnecessárias mortes. Compreendia os ciclos da natureza, se harmonizava cem eles e preservava o equilíbrio

         Quando pela primeira vez, disseram “é meu!” Tomando para si o que não precisava, tirando do outro, iniciou-se a separação desse povo e a natureza.

         Lentamente, deixaram de ouvir as vozes da natureza. Os animais se tornaram perigosos, as plantas viraram descartáveis os elementos, coisas a serem exploradas. O povo começou a se dividir.

         Já não mais se buscava ter o suficiente, porém se cobiçava ter cada vez mais e a qualquer preço. Os valores mudaram. Não mais se pensava no bem do grupo, mas apenas no próprio. Cada um por si, se tornaram cada vez mais solitários, tentando substituir com posses a ausência dos companheiros.

         Então veio o terrível medo, o desconhecimento do outro como um semelhante, a insegurança e as guerras, o desejo de subjugar e a incapacidade de aceitar o diferente.

A donzela vendo a decadência de seus irmãos e sentindo no próprio corpo as chagas que eram abertas em toda natureza, chorou e gritou. Pediu que parassem com aquilo, que enxergassem o abismo para que seguiam.

Porém ninguém pareceu ouvi-la, caindo cada vez mais, batendo nas rochas, buscando pisarem uns nos outros para retardar a própria queda, sem perceberem que juntos poderiam voar.

         Ela continuou chorando e gritando até o fim, até suas forças se esgotarem.

         Ainda hoje seu povo ouve os gritos dela, ecoando nas próprias almas, saudosas dos áureos tempos.

Aqueles que se atentam a esses gritos, passam a atentar para as vozes da natureza. Voltam a entender a linguagem das plantas e dos animais, voltam a sentir os elementos dentro de si e ao seu redor.

         Então, lembrando-se que são partes de todo e que tudo que há esta dentro deles, eles começam a gritar junto da donzela e, assim, fazem com que mais membros desse povo passem a ouvir a voz do mundo de que fazem parte.

         Eles continuarão gritando, porque sabem que a cada novo grito, renova-se a esperança de melhora. A mesma esperança que nunca morreu no coração da Donzela.


Fim.

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