quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Laços e Correntes.

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         Desde quando podia se lembrar, sempre enxergara os pequenos fios e laços que ligavam as pessoas, formando uma teia colorida ao seu redor. Aprendeu cedo que não devia falar sobre isso, pois os outros pareciam incapazes de ver esses laços e os adultos, sempre tão céticos, achavam se tratar apenas de imaginação infantil.

         Porém os via com clareza. As linhas luminosas que se desprendiam dos corpos das pessoas e as uniam a tudo ao seu redor, pelos mais diversos sentimentos de diferentes cores. Algumas eram bem finas, quase invisíveis e outras grossas e bem firmes, sendo difícil acreditar que não fosse possível tocá-las.

          Não conseguia lembrar os detalhes, pois ainda estava na primeira infância, quando uma das mais grossas linhas, que saiam diretamente de seu coração, foi partida. Apenas a dor ficara marcada com força em sua memória, tão profunda que apenas a lembrança fazia sentir como se seu peito queimasse.

         Nunca quis sentir tal dor novamente, prometeu a si mesma que se protegeria.

         No início era difícil, era jovem e ao enxergar as linhas brotando e se encaminhando para juntarem-se às de outro alguém, não conseguia evitar. A formação do laço não era desagradável, pelo contrário era algo muito bom. Porém ela sabia do risco. Se o deixa-se firmar, quando fosse desfeito a machucaria novamente. Portanto cortava todos, antes que fosse tarde demais.

         Aprendeu, com o passar dos anos, a controlar melhor os fios e agora os impedia de irem muito além de seu próprio corpo. Cortando qualquer chance de se prender a alguém, protegendo-se da dor das possíveis perdas.

         Evitava todos os vínculos possíveis, não tendo muita prática após a primeira grande ruptura que sofrera. Portanto às vezes fios mais frágeis escapavam de sua atenção e acabavam formando laços, tão pequenos e fracos, que, como a menina previra, se rompiam e doíam. Uma dor aguda, ardida como se vários insetos picassem sua pele.

         Cada vez mais se recusava a formar laços e via os diversos fios soltos ao seu redor, pendendo de seu corpo, impedidos de cumprirem sua função.

         Pouco a pouco, sem que a jovem percebe-se, os fios foram se emaranhando em volta de seu corpo e se transformando, ficando pesados, duros e sem cor.

         Quando atentou para sua própria forma, a garota se viu envolta em grossas correntes, tão pesadas que a atrapalhavam de se mover. Elas se envolviam em seus membros, criavam grilhões em seus pulsos, tornozelos e pescoço, que quanto mais a jovem buscava se movimentar, mais machucavam sua pele, deixando-a em carne viva.

         Presa no emaranhado de correntes, ela não via onde se segurar para tentar sair, qualquer luta causava extrema dor e o peso acabava rapidamente com suas forças.

         Então, se encolheu em si mesma, com as grossas correntes impedindo-a cada vez mais de enxergar o mundo ao seu redor, pesando sobre sua forma e a fazendo apertar-se cada vez mais. Parecia fadada a sufocar na própria montanha de emoções reprimidas.

         Quando estava quase desistindo, ouviu uma voz:

         - Por que você esta sempre sozinha?

         Por entre os elos das correntes, ela pouco conseguia ver da pessoa que se aproximara e ficou surpreendida em perceber que alguém a notara por entre as correntes que, tinha certeza, a faziam quase invisível para o resto do mundo.

         Não era muito de conversar, normalmente acabava ferida toda a vez que interagia com alguém, mas qualquer coisa que a distrai-se do emaranhado de ferro que a aprisionava era bem vindo. Sem saber bem o que responder, suspirou.

         - As pessoas são egoístas e só querem machucar umas as outras para o seu próprio prazer. Sozinha, evito me ferir. – falar doía, as correntes ao redor do pescoço apertavam sua garganta.

         - Não sei muito sobre isso. – Disse a estranha, dando uma risada de incerteza. – Mas me parece tão mais doído ficar sem ninguém... – Parou de falar, parecendo hesitar por um instante. – Sei lá, existem pessoas idiotas sim, que gostam de machucar os outros, mas também tem aquelas que valem a pena dar uma chance... Pode até ser que vocês se distanciem depois e a gente sempre sofre quando alguém querido vai embora, mas, pelo menos, você viveu várias coisas legais e guarda boas lembranças, né?

         Confusa com as palavras da desconhecida, a garota pensou consigo mesma se realmente existiria algo que valesse sentir outra vez a dor que ficara marcada em sua memória.

         Assustada, viu uma pequena linha se esgueirar pela barreira de correntes e formar um laço frouxo com outra, vinda da estranha. Antes mesmo que pudesse impedi-la, tão perdida ficara ao tentar se lembrar da tão terrível dor que sentirá quando bem nova e surpreendendo-se ao notar que a memória já não era tão clara.

         Permitiu-se arriscar e manter o frágil laço, prometendo que não se apegaria muito a ele.

         Com o passar dos dias, viu que o laço cada vez mais se estreitava e fortalecia, enquanto mais tempo passava conversando com a agora não mais desconhecida. Era uma sensação boa, que ajudava a esquecer do peso das correntes e parecia ser mais fácil se mover com ela por perto.

         Não foi simples, mas través dela decidiu se permitir formar novos laços, bem frouxos no início, que não doeriam demais se fossem partidos.

         Antes que nota-se, diversas linhas, de diferentes espessuras e cores, se embrenhavam entre as correntes e pareciam reduzir o peso de cada uma delas.

         Notou que agora tinha onde se segurar para sair do emaranhado, que embora mais frouxo, ainda a prendia e atrapalhava de se movimentar.

         Não era fácil deixar o local onde sempre se sentira segura e aprendera a ficar confortável, por vezes o incomodo foi tanto que a fez cogitar desistir, mas se manteve firme, segurando-se aos laços que agora se deixava criar.

         Finalmente, quando se viu livre pela primeira vez desde que se podia lembrar, gargalhou de tanta alegria. Sentia-se tão leve, capaz de ir onde quisesse e realizar todos os seus sonhos.

         Deixou para trás todas as correntes de emoções contidas e mágoas que fazia de conta ignorar.

Por todo o seu corpo ainda existiam as cicatrizes dos ferimentos causados pelo peso do ferro e ardia quando um novo fio tocava neles, mas não tinha problema; Pois ela percebera que toda a dor que viesse de um laço, era menor do que a dor de não ter nenhum.

Fim.

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