quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Harpia.

 
Imagem de MarkBulahao, localizada no Google e editada por mim. Caso haja problemas de uso ou Direitos Autoriais, favor entrar em contato.

         Estava sentada em um dos mais altos galhos de um carvalho, uma perna descansava esticada, enquanto outra balançava solta no ar. Esticou a coluna, ficando completamente encostada do tronco, as asas castanhas, uma de cada lado do tronco, eram sua maior segurança. Sentia a chuva limpar seu corpo e o vento a arrepiava, além de sacudir a fina túnica cor de creme, deixando uma parte maior das pernas amostra.

         Dominada pela força da natureza, olhou para baixo, vendo o solo a metros de distância, riu sozinha, com a adrenalina tomando seu corpo e o sabor da liberdade formigando em sua língua, com o ar puro que entrava. Livre, estava livre! Não se lembrava de quando fora aprisionada, mas ainda tinha marcas do cativeiro em seus pulsos, as cicatrizes provocadas pelas algemas.

         Foram tantos anos de aprisionamento, de dor e solidão, até as primeiras ajudas. Não entendia o porquê de recebê-las, mas não se libertaria sem elas, foram palavras e carinhos, fé e encorajamento, pouco a pouco o incentivo aumentava e assim crescia a força dela. Finalmente, houve força o suficiente para arrebentar os grilhões e arcar com as consequências de sua rebeldia e foi em meio a esta luta que elas nasceram, rasgando suas costas, grandes asas, como as de uma ave de rapina, que com o incentivo de um grito selvagem a ergueram para os céus e levaram-na para longe do cárcere.

         Estava ofegante só de lembrar, havia um poder intenso tomando seu corpo, enquanto sentia suas unhas tornarem-se garras e sua visão captar cores e detalhes nunca antes percebidos. A risada alta escapou de sua garganta em rodopios ferozes, nada mais poderia detê-la, era uma força da natureza.

         Durante incontável tempo vagou, buscando entender quem ou o que verdadeiramente era. Tentando desvendar os mistérios de sua mente e se livrar de todas as amarras mentais que os anos de aprisionamento a submeteram.

         Achava-se tão sábia, tão esperta, quando na verdade mal sabia coisa alguma.

         Encontrou seres tão fascinantes em sua jornada, tão deslumbrados com suas forças, mas incapazes de notarem suas próprias fraquezas.

         Recebeu amor sem saber retribuir e amou, sem perceber que em sua ânsia por libertação, em verdade entregava-se a outras prisões.

         Durante sua jornada, durante algum tempo tentou ser o completo oposto do que sempre fora. Descobrindo mais tarde que agir de tal forma, era apenas outra maneira de se impedir de ser ela mesma.

         Pensava ser tão poderosa, com suas asas enormes e garras ferinas, que quase esqueceu do valor do toque suave e do prazer de andar com os pés afundados na terra, ao invés de voar.

         Criaturas fascinantes a seduziram, afirmando que ela era especial, diferente de todos os outros, e que isso a tornava superior.

         Inebriada pelos elogios, ignorou os conselhos amorosos e aprendeu pela dor que ninguém era melhor do que o outro, algo que sempre se gabara tanto de saber.

         Fora tão difícil, lidar durante tanto tempo com a violência dos preconceitos, que em seu interior queimou o desejo amargo de devolver na mesma moeda, apenas para em seguida aprender que agir de tal forma, significava machucar-se em primeiro lugar.

         Hoje olhava sua imagem e amava o que enxergava, seus traços, seu poder, sendo capaz de perceber que era apenas ela mesma e isso era lindo.

         Tantos mistérios ainda por decifrar, tantas coisas ainda a explorar, feridas para cuidar e a consciência de que novas seriam abertas neste processo.

         Sorria satisfeita, mais sábia do que antes e ainda tão ingênua, entendendo finalmente que o que sempre a prendera foi o desejo de ser o que jamais foi e em fim querendo explorar as maravilhas de ser o que realmente é.


Fim.

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