quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Luz Fria.

Imagem localizada no google e editada por mim. Problemas de créditos ou uso, favor entrar em contato.

         Corria, sem sequer conseguir enxergar para onde, mas corria.

         A vida inteira, ensinaram que tinha de seguir em direção a luz sempre. A escuridão era vazia e assustadora, devia deixá-la para trás. Então corria.

         Tinha medo do que se escondia no escuro, das criaturas que faziam das sombras sua morada. Precisava da luz, a luz era boa, pura e sábia, lhe disseram.

         Mesmo que não conseguisse enxergar para onde ia e seus olhos ardessem com a claridade, corria. Deixava para trás a noite, com medo de parar e ser alcançada por ela e por seus monstros que devoraram pequenos humanos indefesos.

         Tinha medo, tanto medo das trevas. A lua parecia capaz de engoli-la e o brilho cintilante das estrelas debocharia de sua agonia. Então ficava na luz, onde não enxergava muito, mas sentia-se segura, pois talvez também não a enxergassem.

         As lágrimas corriam por sua face, seus olhos cansados da claridade constante. Porém os pés já não doíam mais, parara de senti-los há tempos. Não podia parar, se parasse a escuridão a alcançaria.

         A noite era sedutora, prometendo descanso para seus olhos cansados, e 
brisa fresca, para que pudesse repousar.

         Quanto mais difícil ficava correr, mais alto ouvia uma bela musica ecoar em suas costas, suave e ritmada, parecendo ditar os movimentos de tudo que existe. Essa musica a fazia querer deitar e descansar, parar por um instante, mas sabia que não devia.

         Precisava continuar correndo, como sempre disseram, esse era o caminho certo, o que sempre esperaram dela. Devia correr cada vez mais rápido, deixando para trás todas as dúvidas e questões. Se parasse agora, sua mente teria tempo para pensar o que não devia. Pessoas que pensavam o que não deviam se davam mal. Então corria, que suas reflexões permanecessem perdidas nas trevas às suas costas.

         Não que fosse um esforço não reconhecido, sempre a elogiaram por correr. As pessoas gostavam de quem fugia das trevas, uma vez que elas também estavam correndo, batiam palmas e elogiavam a velocidade.

         Eram as pessoas que decidiam parar que eram criticadas. “Loucas!” diziam, “completamente insanas”!

Pessoas que se perdiam nas sombras jamais voltavam como antes. Traziam um brilho diferente, um sorriso misterioso, que parecia debochar daqueles que corriam. Andavam devagar e por isso eram desprezadas. Afinal, se estavam todos correndo, como podia alguém ousar andar mais devagar?

Tão cansada que a corrida tornava-se ainda mais difícil, não viu o buraco a sua frente. Perdeu o equilíbrio e caiu.

Os joelhos e mãos arrastaram no chão, criando arranhões ardidos. Queria levantar, mas não conseguia. Pessoas passavam ao seu redor, incapazes de parar para ajudá-la, focadas em continuarem a correr, apenas gritavam: “Levante logo, a escuridão se aproxima”!

Porém não conseguia mais. Chorou de dor, de raiva e de medo, fechando os olhos, as lágrimas correndo em abundância lavavam a ardência de tanto tempo olhando para luz fria e brilhante.

Sentia a escuridão começando a envolvê-la e tremia de medo. Seu corpo respondia bem a caricia das sombras e ouvia a musica ainda mais alto, como em um acalento. Era assustador, tinha que se levantar e voltar correr, não podia se deixar seduzir pelos encantos da escuridão, não devia.

Porém seu corpo não respondia a sua vontade, muito cansado do tanto que correra até ali. Apavorada, não sabia o que esperar e não tinha mais forças para lutar e resistir. Dormiu, certa de que era seu fim.

Quando tornou a acordar, sentia-se descansada como nunca em toda a sua vida. Seu corpo ainda doía devido a todo o esforço que sempre fizera e pela primeira vez realmente sentia.

Ainda de olhos fechados, contava as batidas ritmadas de seu coração, tão suaves e tranquilas, sentia a entrada e saída do ar em seus pulmões, parecendo refrescar todo o seu interior.

Sua pele pinicava de forma agradável, em contato com as folhas secas no chão e mesmo a dor aguda, dos arranhões que ganhara na queda, parecia diferente. Como se só agora pudesse sentir realmente, a percebia pequena, diante de todo o resto das sensações prazerosas que tomavam seus sentidos.

Incerta, abriu os olhos e descobriu que não mais ardiam. Demoraram um pouco a se adaptarem a iluminação mais fraca, porém, quando o fizeram, percebeu que podia enxergar.

Não apenas as imagens distorcidas que a luz excessiva a impedia de absorver com precisão. Agora via formas e profundidades, sólidas e não meras miragens aqui e ali.

Olhou para o céu escuro e surpreendeu-se em constatar que era lindo e arrebatador.

Pela primeira vez sentia com calma e clareza, ouvia os sons ao seu redor, sem o medo constante de ser deixada para trás. Sentia plenamente, sem ter que focar em continuar a se mover. Todos os seus sentidos pareciam mais vivos e era delicioso explorá-los.

A escuridão já não parecia assustadora, apenas tranquila.

A ideia de voltar a correr veio seguida da pergunta “por quê?” e se surpreendeu em notar que não conhecia a resposta.

Pensou na luz que a cegara até ali, escondendo o caminho a sua frente. Correra seguindo outros, que pouco conhecia realmente. Todos ocupados demais correndo, para se conhecerem. Ninguém sabia para onde corriam, apenas seguiam na direção que lhe disseram, assustados demais para parar e refletir.

Porém ela tinha sido forçada a parar e agora as dúvidas, que sempre deixara para trás, a alcançavam. Na escuridão da noite, onde os sentidos são mais sensíveis e uma musica suave a embalava, as questões tinham tempo de se fazerem presentes e desafiá-la.

Percebeu que não as temia, entretanto. Parou e pensou, refletindo sobre o que a levava a correr e o que realmente conquistara até ali? Se tinha sentido seguir por aquele caminho, apenas porque lhe disseram que era o certo, sem sequer ser capaz de enxergar aonde ele lhe levava?

A cima de tudo percebeu que não precisava ter medo de parar. A escuridão podia parecer assustadora, aflorando os sentidos e dando tempo para que pensasse em coisas que sempre lhe disseram que não valia a pena pensar, mas era mágico desvendar tudo aquilo que sempre escondera na escuridão.

Percebeu que apenas ali conseguiria encontrar a si mesma, não o que os outros lhe diziam que devia ser ou fazer, mas, sim, seus reais e profundos desejos, aqueles os quais lhe ensinaram que devia temer e fugir, mas que agora pareciam tão certos e naturais.

A verdade que só era possível encarar na escuridão e que poderia guiar seu caminho, fazendo valer a pena correr na luz ou nas sombras.


Fim.

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