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Sorriu,
sentindo a primeira gota de chuva atingir seu rosto e refrescar a pele, lavando
a mistura suor, sujeira, lágrimas e sangue que a cobria. Todo seu corpo parecia
meio dormente, com arranhões que pulsavam quentes cobrindo seus membros.
As
roupas não passavam de trapos, sujos e rasgados, machados de terra e sangue, e
a tira de uma de suas sandálias havia arrebentado, tornando incomodo andar.
Tocou
em seus cabelos com cuidado, sentindo os espinhos, presos no emaranhado de nós,
espetarem seus dedos, tomando consciência de que seria extremamente trabalhoso
e dolorido desembaraçá-lo.
Apesar
de tudo isso, sorria, sentindo-se bem consigo mesma. Vencera.
Olhou
para trás, vendo o grande emaranhado de arvores quase negras e arbustos baixos,
que formavam o mar de espinhos que acabava de atravessar e sentiu vontade de
gargalhar, sentindo-se viva como nunca antes.
Todo
o seu corpo doía, mas a sensação era boa. O sabor da vitória era doce e cobria
o gosto férreo em sua língua.
Durante
tanto tempo relutou em enfrentar os espinhos. Gastou anos buscando caminhos
alternativos e métodos de chegar ao outro lado sem ter que se enfiar naquele
mar de dor.
Porém
era inútil, não importava por onde fosse ou o quanto desviasse, sempre acabava
deparando-se com eles novamente. Extremamente afiados e parecendo fileiras de
dentes em sorrisos terríveis, que debochavam de seu medo.
Olhando-os
agora, continuavam tão perigosos quanto antes, porém pareciam respeitá-la, como
se reconhecessem sua bravura em enfrentá-los.
Talvez
fosse apenas reflexo de suas próprias emoções. Se antes temia a dor e se
julgava fraca, agora via nos arranhões provas da sua força e exibiria as
cicatrizes com orgulho.
Não
que fosse algo bonito, mas eram provas de que superara aquele obstáculo e nada
poderia ser mais gratificante.
Não
houve rotas alternativas, nem nenhum método efetivo para que fugisse do
espinheiro. Todas as tentativas servindo para lhe ensinar de que precisaria
encará-lo.
Lembrava-se
de quando finalmente desistira de fugir e dera o primeiro passo entre os galhos
retorcidos.
Ainda podia ver a
entrada, quando as primeiras lágrimas escorreram, com os espinhos arranhando
sua pele, doendo ainda mais sempre que buscava se desviar.
Não demorou para que
entendesse que não havia hipótese de se machucar menos, evitar a dor apenas a
tornaria pior.
Então respirou fundo e
começou a avançar a despeito da dor, incapaz de negá-la, mas prosseguindo de qualquer
forma.
Logo seu corpo parecia
anestesiado e o que era insuportável, agora não passava de um incomodo.
Nunca acreditou que era capaz, mas agora
percebia que duvidara da própria força, sem nem ter tentado. Paralisada pelo
medo de se machucar, atrasara seu avanço em muito tempo, quando na verdade
sempre teve dentro de si o necessário para superar aquele muro de espinhos.
A chuva caia forte, refrescando
seu corpo quente, lavando os machucados e fazendo-os arder de modo que lhe
fazia sentir ainda mais viva.
Os raios cortavam o céu
e era como se aquela energia percorresse seus membros, as batidas de seu
coração tão altas, quanto os trovões que faziam o solo vibrar aos seus pés.
Olhando para frente, via
o longo caminho que ainda a aguardava, antes de atingir seu destino. Longo e
sinuoso, passando por locais desconhecidos, com muitas ameaças e novos
desafios.
Pensou em quem era antes
do espinheiro e percebeu que deveria sentir-se revoltada, afinal depois de toda
a dor e sofrimento, ainda muito mais a esperava. Porém não se sentia assim.
Acabava de aprender um
pouco mais sobre sua própria força e percebia que nada poderia impedi-la de
atingir seu objetivo.
Jogassem os maiores
desafios a sua frente, enfrentaria a todos, pois superara o espinheiro e descobrira
sua verdadeira capacidade e resistência.
Sorriu, dando um novo
passo, deixava para trás não um espinheiro terrível, mas todo o medo e insegurança
que a impediam de avançar até então.
Bastava continuar em
frente, crescendo e tornando-se ainda mais forte. Pois agora que sabia ser
capaz, nada poderia pará-la.
Fim.
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